Opinião

Por que o consumo de drogas na juventude preocupa o trânsito?

O consumo precoce de drogas pode moldar padrões que se manifestarão em comportamentos de risco no futuro, inclusive ao volante

Substâncias como cocaína, maconha, ecstasy, entre outras comumente consumidas por jovens, comprometem gravemente a coordenação motora, o tempo de reação e a capacidade de julgamento -  (crédito: Maurenilson Freire)
x
Substâncias como cocaína, maconha, ecstasy, entre outras comumente consumidas por jovens, comprometem gravemente a coordenação motora, o tempo de reação e a capacidade de julgamento - (crédito: Maurenilson Freire)

Antonio Meira Júnior presidente da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet)

Recente pesquisa do instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) revelou que a grande maioria dos brasileiros (90%) apoia a exigência de exame toxicológico periódico não só para motoristas profissionais de caminhões, ônibus e vans, mas também para outras categorias, como taxistas e motoristas de aplicativo. O levantamento também apontou que 83% da população é favorável à obrigatoriedade do exame para quem busca a primeira habilitação. Esses dados reforçam a crescente preocupação da sociedade com a segurança viária e o impacto do uso de substâncias psicoativas no trânsito, especialmente entre os mais jovens.

Isso porque a juventude é um período de descobertas, desenvolvimento e escolhas que moldam o futuro. No entanto, algumas decisões tomadas nessa fase podem trazer graves consequências para o bem-estar físico, mental e social dos jovens. Entre essas escolhas, o uso de drogas se destaca como um enorme risco, capaz de comprometer não apenas o futuro individual, mas também o da sociedade como um todo.

Durante a adolescência, os processos cognitivos e comportamentais estão em formação, o que torna os jovens mais suscetíveis aos efeitos das substâncias psicoativas. O uso de drogas nesse período pode prejudicar áreas do cérebro responsáveis pela tomada de decisões, pelo controle de impulsos e pela percepção de riscos — funções essenciais para a segurança, especialmente no trânsito. 

São muitas as evidências que reforçam a necessidade de uma conscientização contínua sobre os perigos das drogas. Embora muitos adolescentes ainda não estejam habilitados para dirigir, as consequências do uso de substâncias psicoativas durante essa fase crítica podem reverberar ao longo da vida. O consumo precoce de drogas pode moldar padrões que se manifestarão em comportamentos de risco no futuro, inclusive ao volante.

Substâncias como cocaína, maconha, ecstasy, entre outras comumente consumidas por jovens, comprometem gravemente a coordenação motora, o tempo de reação e a capacidade de julgamento. Sob o efeito dessas drogas, um adolescente não coloca apenas a própria vida em perigo, mas também a de terceiros, ao assumir o controle de um veículo. Os impactos nas funções cognitivas são profundos, afetando memória, capacidade de atenção e julgamento, o que agrava ainda mais os riscos envolvidos.

A cannabis, por exemplo, prejudica a coordenação, a atenção dividida e o tempo de reação, elementos cruciais para uma condução segura. Já as anfetaminas, ao estimularem o sistema nervoso, criam uma falsa sensação de autoconfiança, levando a comportamentos de alto risco, como ultrapassagens imprudentes e desrespeito aos limites de velocidade. A cocaína, frequentemente associada à direção agressiva e a manobras de alto risco, agrava ainda mais o perigo. Opiáceos e alucinógenos também comprometem a capacidade de resposta a estímulos externos, tornando a direção perigosa e aumentando a probabilidade de sinistros de trânsito graves.

De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas 2022, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), cerca de 284 milhões de pessoas entre 15 e 64 anos usaram drogas em 2020 — um aumento de 26% em relação à década anterior. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou mais de 400 mil atendimentos em 2021 relacionados a transtornos decorrentes do uso de drogas e álcool, com predominância de jovens adultos, entre 25 e 29 anos, do sexo masculino.

Entre adolescentes, o cenário é igualmente preocupante. Entre 2017 e 2022, o SUS contabilizou 29.991 internações de jovens por uso abusivo de substâncias psicoativas. A maioria dos casos ocorreu em caráter de urgência, com a intoxicação aguda como principal causa. Esses dados evidenciam o impacto profundo que o consumo precoce de drogas tem sobre a juventude e sobre o sistema de saúde, refletindo uma situação alarmante.

O Brasil enfrenta uma realidade preocupante no trânsito, onde muitos sinistros envolvem motoristas jovens sob o efeito de drogas. O vínculo entre o consumo de substâncias psicoativas e acidentes fatais é evidente e demanda ações mais rigorosas. Políticas públicas robustas, fiscalização intensiva e restrições severas para motoristas que fazem uso de drogas são passos necessários para minimizar esses números. Além disso, é fundamental investir em programas de conscientização e educação, especialmente direcionados às novas gerações.

Como médico do tráfego, não posso deixar de alertar para a urgência de transformarmos esse panorama. É imprescindível que enfrentemos essa realidade de forma integrada, com a união de esforços entre saúde, educação, segurança pública e legislação. Medidas como campanhas educativas, fiscalização eficiente e leis mais rigorosas que desestimulem o uso de drogas por jovens, especialmente no trânsito, são passos fundamentais.

A implementação de estratégias preventivas robustas tem o potencial de salvar vidas. Esse é o caminho para um futuro mais seguro e saudável, em que as escolhas responsáveis substituam os riscos que ameaçam o presente e o amanhã de nossa juventude. 

 

Por Opinião
postado em 23/04/2025 06:00