Opinião

Brasil e Chile: desafios para a integração de infraestrutura

O estabelecimento de uma rede interoceânica de infraestrutura e logística é a forma de garantir escala para conexões diretas entre o Pacífico sul-americano e os principais portos do leste asiático

O presidente Lula e o presidente do Chile, Gabriel Boric, assinaram ao menos dez acordos de cooperação entre os dois países. -  (crédito: Eduarda Esposito/CB/D.A. Press)
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O presidente Lula e o presidente do Chile, Gabriel Boric, assinaram ao menos dez acordos de cooperação entre os dois países. - (crédito: Eduarda Esposito/CB/D.A. Press)

Pedro Silva Barros pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Neste 22 de abril, comemora-se 189 anos das relações bilaterais entre o Brasil e o Chile. Embora não tenham fronteiras terrestres compartilhadas, os dois países cultivam histórica amizade e são fundamentais tanto para a estabilidade política regional como para a integração econômica da América do Sul, especialmente em infraestrutura. 

Atualmente, convergem na defesa da democracia, dos direitos humanos e no combate aos extremismos. Agendas importantes, mas insuficientes em um cenário de polarização multinível.

Na última década, a América do Sul vivencia um quadro de fragmentação política e desintegração econômica concomitantes, que se retroalimentam e transbordam tanto para aprofundar divisões internas como para diminuir a interdependência econômica. Panorama desastroso que torna a região vulnerável diante das tensões e incertezas globais e potenciais ingerências extrarregionais.

A região levou 180 anos de vida independente para realizar sua primeira reunião de presidentes. O principal fruto do encontro realizado em Brasília em 2000 foi a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e seus eixos de integração física, depois incorporada ao Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan) da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que funcionou relativamente bem entre 2009 e 2017.

Embebedados pelas disputas internas, prevaleceu o entendimento de que a Unasul seria ideológica e que a integração prescinderia de burocracia e orçamento. Em 2019, os presidentes Piñera e Bolsonaro criaram o Fórum Prosul, iniciativa leve e flexível composta apenas com governos de direita e centro-direita. Um ano depois, no início da pandemia, a inação do Prosul indicava o fracasso de se tentar construir a integração apenas com afinidades partidárias.

O único projeto de integração regional em infraestrutura que envolve mais do que dois países e permaneceu ativo durante o período de fragmentação foi o Corredor Rodoviário Bioceânico entre o Mato Grosso do Sul e os portos do norte do Chile, incluindo o chaco paraguaio e as províncias argentinas de Salta e Jujuy. Seu grupo de trabalho (GT) foi instituído pelos quatro presidentes em dezembro de 2015, quando afirmaram que os eixos de integração e desenvolvimento do Cosiplan, especialmente os corredores bioceânicos, se constituem em ferramentas centrais e indispensáveis.

Nesses quase 10 anos, o GT do Corredor sobreviveu a mudanças de governo e orientação política nos quatro países. Mais do que a atratividade dos mercados da Ásia-Pacífico para o noroeste argentino, Paraguai e Centro-Oeste brasileiro, a resiliência do projeto foi garantida pelo envolvimento direto dos atores subnacionais, tanto privados como os governos do estado de Mato Grosso do Sul, departamentos do ocidente paraguaio, províncias do noroeste argentino e regiões do norte do Chile.

Inicialmente prevista para ser inaugurada em 2022, a ponte entre Porto Murtinho (MS) e Carmelo Peralta, no Paraguai, principal obra do Corredor, está 70% concluída. Mas as obras de acesso do lado brasileiro só devem ser entregues em 2027.

Isoladamente, a conclusão da obra não garante o incremento do comércio bilateral. Associados à conexão rodoviária, é necessária a articulação com outros modais de transporte e gestão logística. Hoje, mais de 40% do comércio bilateral é realizado por vias internas, mas ainda há ineficiências que dificultam que produtos chilenos alcancem a África por meio de portos brasileiros ou que o Brasil utilize os portos chilenos como plataformas facilitadoras para terceiros mercados da Ásia-Pacífico.

A superação de barreiras regulatórias e normativas e a facilitação dos trâmites aduaneiros não dependem apenas dos dois países. Programas exclusivamente nacionais têm efeitos limitados. Em décadas passadas, o Brasil construiu em conjunto com países vizinhos dois projetos disruptivos de infraestrutura. A usina hidroelétrica de Itaipu e o gasoduto Bolívia-Brasil podem servir de inspiração para a integração bioceânica conforme corredores de desenvolvimento, incluindo outros modais, energia e comunicações.

Disruptivo para a interdependência entre Brasil e Chile seria o estabelecimento de uma rede interoceânica de infraestrutura e logística, com harmonização regional normativa e aduaneira que considere os diferentes corredores de desenvolvimento como complementares e não concorrentes. Essa é a forma de garantir escala para conexões diretas entre o Pacífico sul-americano e os principais portos do leste asiático, competitividade para nossos produtos diversificados com mais agregação de valor e desenvolvimento associado com todos os nossos vizinhos.

O Texto para Discussão 3028 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado semana passada também em espanhol, sistematiza a história e os desafios das relações bilaterais entre o Brasil e o Chile, destacando sua vocação regional e propondo, entre outras iniciativas, a construção de conexão dutoviária e entre os dois países. 

No passado, ônibus e caminhões lideravam nossas relações comerciais com o Chile. Hoje, em consonância com a primarização das exportações sul-americanas, o petróleo bruto transportado por navios é o principal item das exportações brasileiras ao Chile, que vende principalmente cobre ao Brasil.No futuro próximo, espera-se que biocombustíveis sejam transportados em dutos através dos Andes e que haja integração produtiva com agregação de valor regional tanto utilizando insumos brasileiros processados no Chile dirigidos ao Pacífico como bens intermediários chilenos transformados no Brasil que alcancem mercados do Atlântico.

 

Por Opinião
postado em 23/04/2025 06:00