Opinião

Estão brincando com fogo!

Diferentemente do Executivo e do Legislativo, a sociedade não tem possibilidade de exercer controle social sobre os gastos do Poder Judiciário. Um risco em uma conjuntura marcada pela polarização política calcificada

Para agravar a situação, diferentemente do Executivo e do Legislativo, a sociedade não tem possibilidade de exercer o controle social sobre o Poder Judiciário -
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Para agravar a situação, diferentemente do Executivo e do Legislativo, a sociedade não tem possibilidade de exercer o controle social sobre o Poder Judiciário -

Orlando Thomé Cordeiro — Consultor em estratégia

Há exatamente uma semana, após três meses de atraso, a Lei Orçamentária Anual da União foi aprovada. E assim que o presidente retornar da missão ao Japão deverá ser sancionada. O valor global é R$ 5,9 trilhões, mas vale a pena analisarmos alguns grandes números para podermos identificar uma série de elementos que merecem a nossa atenção como cidadãos. 

A começar pelo financiamento da dívida pública que consome quase um terço do total, o equivalente a R$ 1,7 trilhão. E se ao longo do ano o Banco Central, para conter a inflação, for obrigado a continuar elevando as taxas de juros, esse valor vai aumentar ainda mais. No Legislativo, quase R$ 8,6 bilhões estão reservados para a Câmara dos Deputados e R$ 6,3 bilhões, para o Senado Federal.

Porém, o que chama a atenção é o volume, medido em bilhões de reais, dedicado ao Poder Judiciário: 0,95 para o Supremo Tribunal Federal (STF); 2,2 para o Superior Tribunal de Justiça (STJ); 17,2 para a Justiça Federal; 0,8 para a Justiça Militar da União; 11,3 para a Justiça Eleitoral; 30,4 para a Justiça do Trabalho; 4,1 para a Justiça do Distrito Federal e Territórios; e 0,3 para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Quando somados, chegamos a R$ 64,25 bilhões, mais que o quádruplo do orçamento do Poder Legislativo! E o número é ainda maior se acrescermos os orçamentos dos Tribunais de Justiça estaduais.

Para agravar a situação, diferentemente do Executivo e do Legislativo, a sociedade não tem possibilidade de exercer o controle social sobre o Poder Judiciário. Trata-se de uma verdadeira caixa preta! Graças ao papel da imprensa livre, sabemos que parte significativa desse valor está associada ao pagamento dos chamados "penduricalhos", artifício utilizado para burlar, com uma frequência imoral, o teto constitucional.

Na linha dos "abusos legais", a mídia trouxe a nosso conhecimento que, no ano de 2024, com base em dados de contracheques disponíveis no sistema do CNJ, juízes e desembargadores de Tribunais Estaduais, Federais, Eleitorais, do Trabalho e de Conselhos receberam remuneração bruta mensal acima de R$ 100 mil em mais de 63 mil ocasiões.

É importante destacar que o CNJ, criado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, e instalado em 14 de junho de 2005, nos termos do art. 103-B da Constituição Federal, tem como principal atribuição "o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes".

Pois nesses 20 anos de existência, o que temos visto é uma ação comandada pelo corporativismo, em que "ninguém larga a mão de ninguém". Um exemplo recente foi a decisão do órgão relativa aos pagamentos retroativos reivindicados pelo TJ do estado de Sergipe, a título de adicional por tempo de serviço. No lugar de simplesmente impedir tal imoralidade, o ministro Corregedor do CNJ adotou a seguinte solução: pode-se pagar desde que não ultrapasse o valor mensal de R$ 46 mil. Ou seja, esse valor será adicionado ao salário mensal até a quitação do passivo.

A verdade é que, lamentavelmente, o corporativismo tomou conta de todas as instâncias do Judiciário. Recentemente, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, afirmou que muitas das críticas aos gastos do Judiciário são "injustas", argumentando que parte dos adicionais salariais recebidos por magistrados tem respaldo legal e se justifica pelo volume de processos. A esses absurdos devem ser acrescentados os convescotes promovidos, no Brasil e no exterior, em que ministros do STF e do STJ confraternizam alegremente com pessoas com processos judiciais em andamento naquelas Cortes.

Uma exceção nesse cenário foi a declaração do ministro Flávio Dino, no último dia 18, durante julgamento na Primeira Turma do STF sobre o caso de um desembargador do Tribunal Regional do Trabalho do Pará. Na ocasião, ele afirmou: "Vemos uma criatividade administrativa, sobretudo em temas remuneratórios, que é algo que constrange o Judiciário". E completou dizendo que "há saltos ornamentais em outras carreiras jurídicas, em termos de remuneração".

Tudo isso acaba por atrair o apoio de uma parcela cada vez maior da população aos movimentos de lideranças que, sem qualquer compromisso com as instituições republicanas e democráticas, utilizam essas práticas deletérias para atacar, de forma sistemática e articulada, o Poder Judiciário, tendo como "cereja do bolo" a defesa do fechamento do STF.

Em uma conjuntura marcada pela polarização política calcificada, cabe às lideranças do Judiciário mudar radicalmente seu comportamento. Caso contrário, poderemos assistir, em um futuro próximo, a um desfecho nada alentador para a democracia em nosso país.

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postado em 28/03/2025 06:00