
Gunther Rudzit — professor de relações internacionais da ESPM e professor convidado da Unifa. Foi assessor do ministro da Defesa
A política global está passando por transformações inéditas que parecem relegar ao museu da história o sonho de um mundo baseado na paz e na cooperação. Uma ordem inédita se impõe, em que decisões abruptas e a ameaça do uso da força dão origem a um alto grau de instabilidade. E a emergência desse cenário mais belicoso e incerto deveria preocupar a todos os países.
Nesse ambiente estratégico imprevisível, em que acordos e alianças tradicionais estão sendo relativizados, parece evidente a importância de que os Estados passem a desenvolver, o mais que puderem, sua capacidade de autodefesa. A circunstância internacional do presente afeta o Brasil em diferentes planos, inclusive no militar, que necessita especial atenção.
O sistema de defesa nacional necessita adaptar-se rapidamente à atual realidade geoestratégica, mediante a revisão tanto das linhas mestras de defesa brasileira quanto da estrutura das Forças Armadas. A adoção da Política de Defesa e a criação do Ministério da Defesa, na década de 1990, foram passos importantes no sentido de inserir as Forças Armadas na estrutura organizacional civil do governo.
Para tanto, foi fundamental a intensificação das relações civis-militares, uma das interações mais complexas em qualquer Estado, mais ainda nas democracias, na elaboração dos parâmetros definidores do sistema nacional de defesa. Enquanto de um lado há o poder legítimo advindo das urnas, e que é responsável pela elaboração de todas as políticas públicas setoriais, de outro há as especificidades de uma área fundamentalmente conservadora, que se modifica muito mais lentamente que os mandatos políticos.
O estamento militar é dotado de um ethos específico que o diferencia das demais carreiras de Estado, pois espera-se que o soldado, se necessário, se disponha a lutar, até com o sacrifício da própria vida, na defesa da nação. É essencial, para tanto, que o poder político explicite com clareza o que o país espera de suas Forças Armadas, bem como pretende organizá-las, para que possam bem cumprir sua missão.
Ainda que a diretriz parta necessariamente do poder político, cabe ao Ministério da Defesa propor os documentos balizadores que irão orientar a estrutura e o emprego do aparato militar. Não há ainda, no entanto, um planejamento central que preveja, por exemplo, o efetivo emprego conjunto das Forças.
No Brasil, essa discussão existe há algum tempo. No entanto, essa alteração na cadeia de comando nunca foi levada adiante. Em consequência, apesar da criação de doutrina e exercícios conjuntos, nossas Forças não estão ainda aptas a enfrentar, com eficiência, uma guerra moderna.
Tais dificuldades se relacionam, entre outras razões, com as diferenças de pontos de vista entre as Forças Armadas ao tentarem compatibilizar perspectivas estratégicas e doutrinárias, bem como prioridades na utilização de recursos, normalmente escassos.
Há várias propostas de mudanças para o setor sendo discutidas no Congresso Nacional, mas nenhuma vai na direção do essencial, que seria a criação da carreira civil no Ministério da Defesa. Proposta desde os anos 2000, não seguiu adiante tendo em conta a "militarização" do Ministério, que prioriza ainda as perspectivas de cada Força singular, sem valorizar os aportes de formuladores civis.
Da mesma forma, o cargo do ministro da Defesa, de natureza política, deve ser ocupado por pessoa capaz de conduzir, livre de pressões corporativas ou de interesses setoriais, os ajustes necessários com vistas ao reforço da capacidade defensiva do país.
Para que tal mudança ocorra, contudo, é essencial o papel do parlamento. Em todos os países em que houve modernização do sistema de defesa, os legisladores tiveram papel central. E, para que isso ocorra no Brasil, é preciso que a classe política passe a se interessar e a se aprofundar nas questões militares e de defesa nacional. Já há hoje vários centros de estudos de defesa civis reconhecidos no Brasil, com especialistas preparados para assessorá-los no reforço da defesa do país nesta nova era de incertezas.
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