
Ibaneis Rocha — Governador do Distrito Federal
A estrutura democrática de um país repousa sobre a divisão e o equilíbrio entre os Poderes constituídos: Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa tripartição, idealizada por Montesquieu em sua obra O Espírito das Leis (1748), visa evitar a concentração de poder e garantir a liberdade dos cidadãos.
No Brasil, essa separação foi consagrada pela Constituição Federal de 1988, que estabelece as funções e prerrogativas de cada Poder, garantindo um sistema de freios e contrapesos (checks and balances). Entre esses Poderes, o Legislativo ocupa um lugar central, pois é a ele que compete formular as leis que regem a vida em sociedade, refletindo a vontade popular e assegurando o funcionamento harmônico do Estado Democrático de Direito.
Atualmente, o Brasil vive o momento democrático mais longevo de sua história republicana. Apesar de desafios e crises políticas, como os processos de impeachment que interromperam dois mandatos presidenciais, as instituições têm se mantido em funcionamento, exercitando na prática os princípios defendidos por Montesquieu. Esse cenário reforça a importância das prerrogativas dos Poderes constituídos, especialmente do Legislativo, que, ao representar o povo, desempenha um papel fundamental na manutenção da democracia e no equilíbrio do sistema político.
A defesa intransigente das prerrogativas dos Poderes e da democracia ganhou voz histórica em figuras como o advogado Sobral Pinto, um dos maiores defensores do Estado Democrático de Direito no Brasil. Durante o comício pelas Diretas Já, em 1984, Sobral Pinto ecoou o princípio fundamental de que "todo o poder emana do povo, e em seu nome será exercido". Suas palavras, proferidas ao lado de outras figuras emblemáticas da resistência à ditadura militar, ressoam até hoje como um lembrete do papel do cidadão na construção e na fiscalização do poder político.
Quarenta anos atrás, o movimento das Diretas Já marcou o retorno do povo às ruas após 20 anos de repressão violenta, reivindicando eleições diretas para a Presidência da República e o restabelecimento pleno da democracia. Esse momento histórico não apenas acelerou o fim do regime militar, mas também consolidou a ideia de que o poder político deve ser exercido em nome e no interesse do povo, sob o controle das instituições democráticas.
O sistema de freios e contrapesos permite que cada Poder fiscalize e limite os outros, mantendo o equilíbrio necessário para o funcionamento da democracia. Nesse contexto, o Poder Legislativo desempenha um papel crucial, pois é o espaço onde as demandas da sociedade são transformadas em normas jurídicas, refletindo os anseios e as necessidades da população. É o espaço onde se debatem e aprovam normas que impactam diretamente o cotidiano dos cidadãos, desde políticas públicas até regulações econômicas e sociais.
O Congresso tem o poder de controlar os atos do presidente da República e dos ministérios, por meio de comissões parlamentares de inquérito (CPIs), audiências públicas e análises de contas públicas. O Legislativo é também responsável por analisar e aprovar o Orçamento federal, que define como os recursos públicos serão gastos. Além disso, delibera sobre planos de longo prazo, como o Plano Plurianual (PPA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
O Congresso debate e vota temas fundamentais para o desenvolvimento do país, como reformas tributárias, políticas sociais, infraestrutura e relações internacionais. Possui ainda a prerrogativa de confirmar ou rejeitar indicações feitas pelo presidente da República para cargos como ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), procurador-geral da República e diretores de agências reguladoras.
O Poder Legislativo também pode receber sugestões da sociedade por meio de projetos de iniciativa popular, que precisam ser assinados por um número mínimo de cidadãos para serem apreciados. Esse mecanismo reforça a participação direta do povo no processo legislativo.
Por fim, o Poder Legislativo é, por excelência, o espaço da representação popular. Por meio dos deputados e senadores, o povo exerce sua soberania, influenciando diretamente as decisões que moldam o futuro do país. Essa função é ainda mais relevante em um contexto de polarização política, em que o diálogo e o debate democrático são essenciais para a construção de consensos e a preservação da estabilidade institucional.
Apesar de críticas e desafios, como a influência de interesses particulares e a lentidão do processo legislativo, o Congresso Nacional tem demonstrado resiliência em momentos de crise, atuando como um contrapeso necessário ao Executivo e ao Judiciário
De volta às palavras de Sobral Pinto no comício pelas Diretas Já, elas continuam a ecoar como um chamado à vigilância e à participação cidadã. Em um momento em que o Brasil celebra 40 anos do movimento que pavimentou o caminho para a redemocratização, é essencial reforçar o papel das instituições e das prerrogativas dos Poderes constituídos.
O Legislativo, como representante direto do povo, é o guardião da democracia e o espaço onde as leis que regem nossa vida em sociedade são formuladas. Sua independência e fortalecimento são pilares indispensáveis para a manutenção do Estado Democrático de Direito, garantindo que o poder continue a emanar do povo e a ser exercido em seu benefício, conforme consagrado no parágrafo único do artigo primeiro de nossa Constituição.