
Sou uma pessoa caseira. Devota do meu canto, onde procuro sempre entrar com pés descalços, corpo e mente despidos de energias ruins. Mas, de vez em quando, sinto os chamados para sair do casulo. Há algum tempo, o Rio tem me convidado. Já devia ter ido, mas a vida é feita de adiamentos, todos sempre justificáveis até percebermos que esperamos demais.
Gostaria mesmo — e muito — de ter ido com Hélio, meu amigo, conhecer Laranjeiras. Perdi esse bonde. Um dos meus leitores mais cativos e interessantes, a quem eu enviava colunas, entrevistas e textos por e-mail para trocarmos impressões e interpretações, morreu há alguns dias e me deixou com extrema saudade do passeio que não fiz — além de tantas saudades mais. Despediu-se desse plano aos 94 anos, intensamente vividos com extrema sabedoria e lucidez.
Havia marcado com ele e com a tia Coy, tios por parte de pai de meus filhos, amizades de décadas que cultivo e que tanto me abastecem, para nos encontrarmos em abril, no Rio. Veríamos juntos o musical Chatô & os Diários Associados — 100 anos de paixão, que estreia nesta sexta-feira (28/03), no Teatro João Caetano, com texto de Fernando Morais e Eduardo Bakr, e direção de Tadeu Aguiar. Stepan Nercessian interpreta esse personagem, que transformou a comunicação do Brasil ao fundar um conglomerado de mídia do qual hoje sou parte: os Diários Associados.
Seguimos aqui com o Correio Braziliense, em Brasília; com o Estado de Minas, em Minas; com a Tupi, no Rio; com o Imparcial, no Maranhão. Seguimos cultivamos memórias, porque revisitá-las é essencial — como fizemos na semana que passou com a série de matérias e eventos dos 40 anos de redemocratização, organizados por nosso Centro de Documentação (Cedoc-CB), que ainda hoje você lê nas nossas páginas.
Histórias não são feitas para serem apagadas. Reviver é preciso até porque abastecem outras gerações e nos ajudam a ver em perspectiva, colocando tudo no lugar certo. Vou ao Rio em parte para reviver, noutra parte para (re)conhecer.
Hélio sempre me dizia: como pode alguém não conhecer Laranjeiras? Como posso eu não conhecer Laranjeiras é o que agora me pergunto. Se Hélio, essa pessoa de luz intensa, culta, interessante e bem informada, acha que eu devo conhecer Laranjeiras, é para lá que eu vou —agora com Coy, minha querida amiga e parceira de conversas interessantíssimas, a quem preciso abraçar — um daqueles encontros que agora parecem inadiáveis.
Ela vai ver Chatô comigo, e eu vou passear com ela por Laranjeiras, lá no lugar onde estão memórias tão bonitas e preservadas dos dois — que ela dividirá comigo e que eu guardarei por toda a vida como parte dos meus afetos. E nós vamos ouvir juntas Rio Antigo, na voz de Alcione, porque estou com essa música na cabeça. E vamos falar de Ainda estou aqui, porque agora estou lendo o livro de Marcelo Rubens Paiva e ainda me sinto inundada pela memória de Eunice e toda aquela efervescência que experimentamos e que deixou a todos tão impactados e emocionados. E, daqui a pouco, tudo isso será memória — das melhores!