
Leiliane Rebouças — Acadêmica do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal
Na próxima terça-feira, 25 de Março, o ex-presidente José Sarney receberá da Câmara Legislativa do Distrito Federal o título de cidadão honorário de Brasília.
Muitas pessoas não sabem, mas a relação de José Sarney com Brasília vai muito além do fato de ele ter sido o primeiro parlamentar a residir na nova capital quando ocorreu a transferência do parlamento. E, também, muito mais do que o fato de ele ter vivido aqui mais da metade da sua vida política, dividindo a sua residência entre São Luiz e Brasília.
Quando presidiu o país, entre 1985 e 1990, José Sarney foi diretamente responsável por ações que mudaram para sempre os rumos da capital federal e marcaram a sua história. A primeira delas, ao promulgar a Constituição Federal de 1988, que permitiu eleições diretas para governador, senador e deputado e a criação de uma câmara distrital em Brasília. Os cidadãos do Distrito Federal, antes alijados de seus direitos políticos, receberam o direito de ter uma representação local escolhida diretamente pelo povo.
Outra ação importante em que Sarney se empenhou diretamente para fazer uma reparação histórica e justiça aos candangos que construíram Brasília foi a fixação da Vila Planalto — um bairro remanescente dos acampamentos das construtoras que erigiram a capital do país. Os moradores da Vila Planalto viveram por 28 anos sob o risco iminente de expulsão da cidade que eles construíram. Durante a ditadura militar, que durou de 1964 a 1985, o governo local promoveu a remoção forçada de seus moradores com a derrubada das casas daqueles acampamentos pioneiros.
Fui testemunha do empenho do ex-presidente Sarney para impedir essa injustiça. Ele recebeu a minha carta em que pedi a fixação da Vila e em que relatava o sofrimento desses pioneiros (como o meu pai, que residia na Vila Planalto desde 1958). Sarney encaminhou o assunto ao governador José Aparecido para que solucionasse o problema. E, em 1988, a Vila foi fixada e tombada como um patrimônio histórico do DF.
Os pioneiros e filhos de pioneiros da Vila Planalto puderam permanecer em suas casas no local onde nasceram seus filhos e criaram raízes, graças à sensibilidade do presidente, que atendeu ao pedido de uma garotinha de 10 anos com uma carta, após burlar sua segurança, quando ele descia a rampa do Planalto, numa sexta-feira de 1986.
Ao garantir a moradia para os candangos que atenderam ao chamado de Juscelino Kubitschek para construir Brasília, Sarney demonstrou a mesma grandeza que teve para com Juscelino, anos antes, quando, em plena ditadura militar, quando todos evitavam JK, recebeu o político cassado pela porta da frente no Palácio dos Leões, quando era governador do Maranhão.
E, finalmente, o maior legado deixado por José Sarney em Brasília, sem sombra de dúvidas, é o título de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade. Foi em seu governo que o ex-governador José Aparecido de Oliveira iniciou as tratativas com a Unesco que mudaram para sempre as prerrogativas do órgão para os patrimônios mundiais. Com o empenho de José Sarney e José Aparecido, Brasília tornou-se o primeiro bem contemporâneo na lista de Patrimônios da Humanidade e o mundo reconheceu seu valor excepcional e sua arquitetura e planejamento urbano únicos.
Por tudo o que relatei, é de se espantar que somente agora José Sarney esteja recebendo esse justo reconhecimento por todos os benefícios inestimáveis que fez pela capital federal. E, por isso, louvamos essa iniciativa do presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Wellington Luiz, em conceder essa homenagem que faltava para laurear ainda mais a sua extensa biografia. Antes tarde, do que nunca!