
Guilherme Costa — engenheiro civil, pós-graduado em gestão de obras (IMT) e em administração (FGV)
Nos últimos anos, a construção civil no Brasil tem enfrentado um grande desafio: a escassez de mão de obra qualificada. Essa realidade tem provocado impactos profundos no setor, com atrasos nos cronogramas das obras, aumento nos custos e, muitas das vezes, comprometimento da qualidade dos serviços. Entre os diversos fatores que contribuem para esse cenário, um se destaca cada vez mais nas discussões: a crescente concorrência com setores como os serviços de transporte e delivery. A atração de profissionais para essas áreas tem desviado uma parte significativa da mão de obra que, tradicionalmente, estaria empregada na construção civil.
Vale lembrar que o setor de construção civil sempre foi um dos pilares da economia brasileira, empregando uma grande quantidade de trabalhadores em diversas funções. No entanto, a escassez de profissionais qualificados nesse setor tem se tornado uma realidade crescente nos últimos anos. Segundo a pesquisa nacional Sondagem da Construção, feita mensalmente pela Fundação Getulio Vargas (FGV), em fevereiro de 2024, 25,7% dos empresários do setor estavam preocupados com a escassez de profissionais qualificados.
Nos últimos anos, a popularização de aplicativos de transporte e entrega tem moldado um novo perfil de trabalhador no Brasil. A flexibilidade de horários e a possibilidade de trabalhar de maneira autônoma atraem muitos profissionais que buscam uma forma mais dinâmica e com menos exigências de qualificação técnica.
Esse modelo de trabalho se tornou ainda mais atrativo com o avanço do e-commerce, principalmente impulsionado pela pandemia de covid-19. Segundo dados da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, em 2023, cerca de 1,27 milhão de pessoas estavam trabalhando como motoristas e outras 385 mil, como entregadores de aplicativos. Além disso, a velocidade de retorno financeiro e a flexibilidade de horários são pontos que fazem com que muitas pessoas escolham trabalhar para esses aplicativos em vez de se dedicar a setores mais tradicionais.
Vale ressaltar também que trabalhar com aplicativos de entrega não é nenhum mar de rosas. Muitos desses profissionais têm rotinas extremamente desgastantes, passando até 12h por dia dentro de um carro ou em cima de uma moto, trabalhando de domingo a domingo, tirando alguns minutos para almoçar. Sem falar nos riscos que correm no trânsito e o alto índice de estresse diário. Alguns, por morarem em localidades muito afastadas dos grandes centros, acabam dormindo dentro do próprio carro para, no outro dia, começar a rodar novamente e fazer suas entregas ou viagens com passageiros. Na construção civil, esses mesmos profissionais podem ter seus direitos garantidos e uma jornada de trabalho mais organizada e com tempo de descanso remunerado.
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Diante desse cenário, desenvolver algumas estratégias para reter esses talentos é de suma importância. Salários mais justos, por exemplo, é uma forma de tornar o setor de construção civil mais atrativo. Com o aumento da necessidade de profissionais para atender à crescente demanda por obras e infraestrutura, a tendência é de que a valorização salarial se torne uma prática cada vez mais comum. Além disso, muitos trabalhadores buscam estabilidade e segurança no emprego, o que pode ser garantido por meio de contratos mais formais e benefícios, como planos de saúde, transporte e alimentação, que melhoram a qualidade de vida no ambiente de trabalho.
Outro ponto importante para atrair trabalhadores é a criação de planos de carreira claros e acessíveis, com oportunidades reais de crescimento dentro da empresa, o que motiva o trabalhador a permanecer no setor e a buscar qualificações para ascender a cargos de maior responsabilidade e remuneração. Programas de capacitação, com foco em habilidades operacionais específicas, também contribuem para o desenvolvimento do trabalhador, oferecendo mais chances de desenvolvimento profissional.
Por fim, a maior preocupação com a segurança no ambiente de trabalho, por meio de treinamentos e equipamentos adequados, ajuda a minimizar riscos e melhora a confiança dos trabalhadores, tornando a profissão mais atraente e sustentável a longo prazo.
É preciso entender que a escassez de mão de obra qualificada na construção civil é um desafio crescente e multifacetado. A concorrência com setores como o de transporte e delivery, que oferecem condições de trabalho mais flexíveis e salários competitivos, tem agravado essa situação. No entanto, existem soluções que podem ser adotadas para mitigar esses problemas, como o investimento em qualificação profissional, a melhoria das condições de trabalho, os direitos trabalhistas assegurados, além da adoção de novas tecnologias. Essas medidas são essenciais para garantir que a construção civil continue sendo um setor competitivo e capaz de atender à crescente demanda por obras e infraestrutura no Brasil.
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