Opinião

O bonde da história

O país das próximas décadas será necessariamente muito diferente do atual. E a história está cheia de exemplos de pessoas, instituições e países que foram engolfadas pelo rápido processo de desenvolvimento

. -  (crédito: Caio Gomez)
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. - (crédito: Caio Gomez)

André Gustavo Stumpf jornalista 

Nos últimos dias, foram realizadas merecidas homenagens aos políticos que trabalharam no sentido de o brasileiro poder comemorar hoje os 40 anos da redemocratização. O Brasil, vez por outra, produz esses milagres: um deles foi a transição do poder militar para o civil sem que tenha havido tiros, bombas ou prisão, nem mesmo a tradicional censura à imprensa. O movimento foi obra de uma turma de políticos experientes, calmos e tocados pelo mesmo desafio: o governo dos militares pressionava a todos por igual e significava o fim da política.

Havia, portanto, um adversário comum, que não raro agia como inimigo; torturava, matava, exilava. Os jovens de hoje não conheceram os rigores daquela época. Os discursos dos apologistas das soluções radicais de direita não conheceram a censura de imprensa, nem viveram os momentos angustiantes da falta de expectativas da juventude. O Brasil cresceu na economia cheio de desigualdades que políticos não foram capazes de consertar nos tempos democráticos. Acabou a hiperinflação, o país ganhou uma moeda forte, a administração federal foi razoavelmente modernizada, mas o país continuou a ser o legítimo herdeiro do velho do Restelo, personagem imortal de Camões nos Lusíadas.

Os portugueses fizeram suas incríveis navegações sob intensa desconfiança dos próprios cidadãos. Era essa a voz ouvida no cais em Lisboa, "isso não vai dar certo". O pessimismo era generalizado. As navegações estabeleceram feitorias nos pontos mais longínquos do mundo para criar pontos de comércio. Jamais tentaram colonizar o interior. O Brasil durante muitos anos viveu apenas na sua costa. Até hoje, os políticos não conseguem enxergar horizonte mais amplo para o país, que permanece com quase 50% de seu território intocado. A única preocupação, meia-verdade, é conservar a Amazônia, mas ninguém se lembra de tomar posse efetiva do território, conquistá-lo e integrá-lo à economia e à sociedade nacionais.

A herança portuguesa é muito forte, tanto no pessimismo quanto na burocracia. As decisões são demoradas e profundamente conservadoras, quando não são reacionárias, no sentido estrito da palavra. Reagem ao novo. O presidente Juscelino Kubitschek rompeu com essa inércia e abriu o caminho para o Centro-Oeste e o Norte. Mas os que vieram depois decidiram estacionar no tempo. Jânio chamou a rodovia Belém-Brasília de estrada das onças, hoje uma via muito movimentada e cheia de cidades de médio porte. Aliás, na Transamazônica foi criada nos anos setenta as agrovilas. Uma delas, chamada de presidente Médici, é hoje conhecida como Medicilândia. É a maior produtora de cacau do Brasil, e o estado do Pará ultrapassou a Bahia na produção dessa fruta. E também tem pimenta, açaí, gado, arroz e outras manifestações de resistência brasileira ao conservadorismo da política nacional. Aos trancos e barrancos, o país vai se reconhecendo e assumindo suas responsabilidades no seu vasto território.

Quando, afinal, o Ministério do Meio Ambiente e seus controlados permitir que a Petrobras inicie a exploração do petróleo na Margem Equatorial, haverá uma natural expansão da economia na região, situação que o país nunca viu ocorrer: desenvolvimento sustentável na Região Norte. Amapá, Roraima, Amazonas e Pará tendem a se beneficiar muito não apenas dos royalties, mas dos negócios que envolvem a atividade de extração do petróleo. Os países árabes que eram desertos improdutivos na década de trinta do século passado, hoje, como consequência do petróleo, exibem nível de vida invejável. É razoável imaginar que os brasileiros do Norte tenham a oportunidade, também, de desfrutar do desenvolvimento nacional.

Os perigos da nova era não se resumem na eventual aventura militarista. Há de tudo. Trump ao norte, Javier Milei ao sul, globalização interrompida, quebra das redes de fornecimento e produção, redes de comércio fragmentadas, a necessidade de crescer muito e rapidamente na área de informática, e tudo que se relaciona com esse novíssimo segmento do conhecimento humano. Os parlamentares brasileiros retornaram no tempo, estão preocupados com suas questões provinciais. A direita, organizada em torno de um capitão iletrado, sem qualquer experiência administrativa, discute assuntos marginais aos grandes temas brasileiros. 

O país das próximas décadas será necessariamente muito diferente do atual. Quem não se organizar vai simplesmente desaparecer. A história está cheia de exemplos de pessoas, instituições e países que foram engolfadas pelo rápido processo de desenvolvimento. É o bonde da história. É o desafio de nele embarcar ou ficar bebendo no bar discutindo futebol.

 

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postado em 22/03/2025 06:00