Opinião

Mulheres negras em situação de vulnerabilidade lideram domicílios

São múltiplas as camadas de desigualdades que tornam precárias não só a vida das mulheres negras, mas de todas as famílias lideradas por elas, que se tornaram a maioria no Brasil a partir de 2023

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; - (crédito: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)

Cristina Lopes mestre em desenvolvimento regional sustentável, diretora executiva do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra); Marcelo Tragtenberg professor do Departamento de Física da UFSC,  integrante do Conselho Deliberativo do (Cedra)

As desigualdades sociais no Brasil são múltiplas e cumulativas. Seus efeitos perversos prejudicam o cotidiano de milhões de cidadãos. Entretanto, há um grupo que é o mais afetado — as mulheres negras. E isso acontece como consequência do racismo e do machismo que estruturam a nossa sociedade desde a sua fundação. As famílias cujo principal responsável são as mulheres negras devem estar no centro das agendas de políticas públicas que almejam, de fato, reduzir as desigualdades neste país. 

Os homens eram maioria (64,2%) entre os responsáveis por domicílio em 2012. Já em 2023, as mulheres passaram a ser maioria (51,8%), sendo que as mulheres negras passaram a ser o maior grupo (29,6%), com aumento de 10,8 pontos percentuais (p.p.) no período. As mulheres brancas (21,4%) aumentaram 4,7 p.p., os homens brancos (20,6%) diminuíram 10,1 e os negros (27,0%), 6 pontos percentuais. Esse levantamento faz parte de uma análise inédita e recém-lançada pelo Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra), sobre a série histórica de 2012 a 2023 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), realizada pelo IBGE. 

A maioria dos lares na faixa de extrema pobreza é liderada por mulheres negras. A porcentagem dos domicílios com renda até 1/8 de salário mínimo por morador cujo principal responsável eram mulheres negras era quase cinco vezes maior que a dos homens brancos, em média, entre 2012 e 2023. É nesses domicílios que se constata a presença de outros indicadores de vulnerabilidades nas áreas de educação, saúde, renda, trabalho, entre outros. 

A cada 10 domicílios com responsáveis mulheres brancas, oito tinham máquina de lavar. Já nos domicílios com responsáveis mulheres negras, essa proporção era de apenas 5,5 em cada 10, em média, entre 2016 e 2022, segundo dados elaborados pelo Cedra. Esse dado é um indicativo de uma carga adicional de trabalho doméstico para as mulheres negras que se soma ao trabalho externo e informa sobre a qualidade de vida da família como um todo, além da possibilidade de tempo livre e lazer. 

Entre 2012 e 2022, a taxa de desocupação (sem trabalho) entre mulheres negras era de 14,9% e entre as mulheres brancas, de 9,7%. Esse número indica uma dificuldade maior das mulheres negras de colocação no mercado de trabalho, mesmo comparadas com outras mulheres, o que ressalta uma desigualdade de gênero somada à desigualdade de raça. 

Este mês é marcado por duas datas relevantes na agenda de direitos humanos no mundo todo — o Dia Internacional da Mulher (8) e o Dia Internacional contra a Discriminação Racial (21). São momentos fundamentais de mobilização e reivindicações (que não devem se restringir ao mês de março), e o sujeito que une essas duas pautas é a mulher negra.

Os dados aqui destacados revelam as múltiplas camadas de desigualdades que tornam precárias não só a vida das mulheres negras, mas de todas as famílias lideradas por elas, que se tornaram a maioria no Brasil a partir de 2023. Os fatores de riscos para situações de trabalho infantil, gravidez precoce, baixa escolaridade, insegurança alimentar, entre outros, são potencializados nessas famílias que, portanto, necessitam de uma atenção prioritária e permanente do Estado.  

Como disse a intelectual americana Angela Davis, quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela. Portanto, é necessária e urgente a elaboração e implementação de ações de equidade que priorizem as mulheres negras em todas as políticas públicas - saúde, trabalho, educação, segurança alimentar, habitação, entre outras - para realizarmos mudanças estruturais na sociedade e alcançarmos um desenvolvimento pleno, como preconizam instrumentos como a Declaração e o Plano de Ação da Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas e a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, dos quais o Brasil é signatário.

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postado em 21/03/2025 06:00