Opinião

Presente e futuro da agricultura: integrando África, América Latina e Caribe

A África pode emergir como uma nova fronteira agrícola, utilizando tecnologias desenvolvidas na agricultura da América Latina e, em especial, do Brasil

Opinião 2003 -  (crédito: Caio Gomez)
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Opinião 2003 - (crédito: Caio Gomez)

Silvia Massruhá — presidenta da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa);  Manuel Otero — diretor-geral do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA)

A América Latina e o Caribe (ALC) alimentam 1,3 bilhão de pessoas no mundo. Isso torna a região a maior exportadora de comida do planeta, segundo estudo do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA). Apesar de sua robusta capacidade produtiva, a ALC enfrenta desafios, como a urgente necessidade de ampliar investimentos em adaptação às mudanças climáticas, infraestrutura e tecnologia e, ao mesmo tempo, garantir a sustentabilidade da produção e a mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Diante desse cenário, governos, organismos internacionais e instituições de pesquisa buscam alternativas para ampliar a produção de alimentos, visando a segurança alimentar e o combate à fome e à pobreza, atuando como parte da solução para o enfrentamento à emergência climática. A liderança brasileira na Aliança Global contra a Fome e a Pobreza reforça o compromisso inovador do governo.

Embora a ALC lidere a produção agropecuária, África e as Américas têm características e desafios semelhantes para manter os sistemas agroalimentares. Dessa forma, a África pode emergir como uma nova fronteira agrícola, utilizando tecnologias desenvolvidas na agricultura da América Latina e, em especial, do Brasil.

A África abriga 65% das terras aráveis não cultivadas e 10% dos recursos de água renovável do mundo. Esse enorme potencial agrícola e ambiental oferece oportunidade única para integrar o continente na cadeia de abastecimento global, posicionando-o como um ator-chave na produção de alimentos. 

As características climáticas e naturais comuns entre os continentes facilitam a adaptação e a implementação de práticas agrícolas e tecnológicas de ambos os lados do Atlântico. 

Com solos similares aos países africanos, o Brasil alcançou posição destacada na agropecuária devido ao trabalho realizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), uma peça fundamental na transformação produtiva e na modernização da agricultura, promovendo a geração e difusão de avanços. Soma-se a isso a cultura empreendedora dos agricultores na adoção dessa tecnologia e na organização das cadeias produtivas, tanto nas grandes commodities quanto no cooperativismo, agregando pequenos agricultores e a agroindústria.

Toda essa experiência pode, e deve, ser expandida para a África, fomentando o desenvolvimento da agricultura, gerando riquezas e empregos pela integração das cadeias produtivas, pelo intercâmbio e comércio de tecnologias e, em especial, pelas oportunidades de inovação para os agricultores que ampliam a capacidade produtiva e agregam valor aos seus produtos. 

A implementação de práticas de agricultura tropical regenerativa, baseada em ciência, é, sem dúvida, uma solução para os desafios mais urgentes enfrentados pela África: a degradação do solo, a baixa produtividade agrícola, a insegurança alimentar e a vulnerabilidade aos impactos climáticos. As soluções passam pelo moderno sistema de plantio direto para as regiões tropical e subtropical aprimorado pela Embrapa, pelos sistemas integrados, pelas soluções para novos insumos biológicos e pela imensa expertise de manejo dos pesquisadores e agricultores brasileiros.

Ao mesmo tempo, amplia oportunidades para empresas brasileiras de atuação no "agro global". Por fim, retroalimenta a pesquisa e o desenvolvimento da ciência, seja pelo intercâmbio de materiais genéticos, seja pelo aprimoramento de tecnologias para a adaptação ao clima mais rigoroso e incerto. 

Para enfrentar os desafios da atualidade e projetar o futuro, o IICA e a Embrapa firmaram uma parceria que ajude a fortalecer a capacidade dos países africanos de aplicar práticas de agricultura tropical regenerativa, abordagem essencial. Essa parceria visa o intercâmbio de conhecimentos técnicos e a criação de uma rede de cooperação internacional com atores comprometidos com o desenvolvimento sustentável da agricultura na África e na América Latina. 

A iniciativa vai promover capacidades para restaurar áreas degradadas, aumentar a produtividade e melhorar a resiliência climática, valorizando os recursos naturais e culturais do continente africano. Além de aprimorar as práticas agrícolas africanas, Embrapa e IICA pretendem criar modelos replicáveis e adaptados em outras regiões tropicais do mundo e trazer inovações para o Brasil e países da ALC.

Os desafios são muitos, dadas as incertezas econômicas, sociais e climáticas, mas as experiências no desenvolvimento científico, que transformaram o Brasil e outras potências agroambientais, apontam a viabilidade de investir na agricultura do continente africano. As perspectivas são promissoras. Todos podem sair ganhando nessa relação cooperativa, promovendo o presente e o futuro da agricultura sustentável na integração de forças da ALC e da África. 

 Contudo, o combate à fome, a segurança alimentar e a sustentabilidade do planeta são os que mais têm a ganhar. Sob o protagonismo de uma região que se transformou, o momento é alvissareiro para a retomada da responsabilidade de multiplicar o aprendizado das ciências tropicais e integrar esforços que, se bem-sucedidos, levarão a todos a um novo patamar mundial.

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postado em 20/03/2025 06:00 / atualizado em 20/03/2025 17:14