Opinião

Visão do Correio: Racismo sem disfarce no futebol

Passou da hora de um enfrentamento mais incisivo contra o preconceito no futebol. Neste momento, cabe a união dos clubes brasileiros diante de tamanha ofensa proferida pelo presidente da Conmebol

Após repercussão de fala racista,  Alejandro Domínguez disse que não teve intenção. -  (crédito: Daniel Duarte/AFP)
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Após repercussão de fala racista, Alejandro Domínguez disse que não teve intenção. - (crédito: Daniel Duarte/AFP)

Na área da assessoria de comunicação, o termo em inglês media training é um dos conceitos fundamentais da profissão. Trata-se do conjunto de técnicas que um profissional da área usa para treinar porta-vozes, com objetivo de que aquela figura pública se comporte bem diante dos microfones da imprensa. O serviço tem uma ampla gama de clientes, desde políticos até executivos, esportistas e artistas. 

No caso da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), no entanto, não há treinamento que resolva o escancarado racismo manifestado pelo seu presidente, o paraguaio Alejandro Domínguez, nesta segunda-feira. Logo após o sorteio da Libertadores e da Copa Sul-Americana, o cartola usou a seguinte analogia para descrever como seriam as principais competições continentais sem a participação dos clubes brasileiros: "Seria como o Tarzan sem a Chita". 

Os mais velhos vão se lembrar de que o clássico personagem das selvas africanas, Tarzan, era sempre acompanhado de sua fiel escudeira, a primata Chita, em uma jornada com claro viés imperialista. O que importa, no caso da declaração de Alejandro Domínguez, é a fala com evidente conotação racista, sobretudo diante da sequência de casos de preconceito do tipo contra torcedores e jogadores brasileiros nas competições da Conmebol nos últimos anos. 

Como bem disse a presidente do Palmeiras, Leila Pereira, se o próprio representante máximo da Conmebol profere ofensas racistas nos microfones da imprensa, como a mesma entidade pode combater o preconceito racial que circunda suas competições? Trata-se de casos como o do jovem Luighi, que, em meio às lágrimas, protestou contra gestos de macaco dirigidos a ele em uma partida da edição Sub-20 da Libertadores. O episódio rodou o mundo nas últimas semanas. 

Antes do sorteio da Libertadores na última segunda, o mesmo Alejandro Domínguez, como havia indicado o media training, subiu ao palco para discursar contra o racismo. Ressaltou a prioridade dada pela Conmebol ao combate do preconceito racial no futebol sul-americano e garantiu uma resposta dura contra os criminosos. Pouco depois, acabou o disfarce.

Após a repercussão, Domínguez publicou uma nota justificando que não teve "a intenção de menosprezar nem desqualificar ninguém". A questão é que a "frase popular" por ele usada foi em resposta justamente a um questionamento sobre um cenário de especulação sobre a não participação de clubes brasileiros nas competições da Conmebol devido à sequência de atos racistas sofridos nos últimos anos. 

Passou da hora de um enfrentamento mais incisivo contra o preconceito no futebol.  Neste momento, cabe a união dos clubes brasileiros diante de tamanha ofensa. As recorrentes notas de repúdio pouco representam em situações como essa, ainda mais após o chocante racismo contra o palmeirense Luighi. É preciso cobrar uma resposta prática da Conmebol à atuação do seu presidente. E mais do que isso: punição pesada para os clubes que cometem tal crime, a partir de suas torcidas ou jogadores e comissões técnicas.

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postado em 19/03/2025 06:00