
Virgilio Viana*
Três eventos culturais do carnaval de 2025 destacaram uma dimensão pouco difundida da Amazônia: sua matriz de origem africana. De um lado, em Salvador, Carlinhos Brown fez uma reverência ao Marabaixo, uma manifestação cultural de origem africana típica de comunidades afrodescendentes do Amapá. Ao mesmo tempo, em Manaus, a Escola Reino Unido do Morro da Liberdade, campeã do Carnaval de 2025, fez uma homenagem à sua ancestralidade africana. Para completar, a Acadêmicos do Grande Rio, no Rio de Janeiro, celebrou a riqueza cultural do Pará, mostrando o processo de formação do Tambor de Mina, uma religião afro-brasileira. Essas e outras manifestações culturais servem para mostrar o quão importante é a presença negra e parda na Amazônia e a sua influência sobre a história, a sociedade, a cultura, o meio ambiente e a economia da região.
Segundo o Censo de 2022 do IBGE, a Região Norte possuía o maior percentual de população indígena de todo o Brasil (3,11%). Por outro lado, a população preta ou negra era quase três vezes maior que a indígena (8,82%). No entanto, essa presença negra é menos visível e pouco considerada quando se trata de Amazônia.
No Amapá, o Marabaixo é símbolo da identidade negra local e remonta ao período da escravidão. Inclui dança de roda, canto e percussão, ligados às festas que fazem um sincretismo entre o catolicismo e as religiões de matriz africana. A presença de populações e culturas afrodescendentes no Amapá se iniciou ao século 16, mas o grande impulso ocorreu no final do século 18. No início do século 19, havia mais pretos do que brancos no Amapá. O Marabaixo desagradava setores da sociedade amapaense, que chegaram a combatê-lo publicamente.
Entretanto, a partir dos anos 1980, a dança começou a passar por um projeto de resgate e valorização conduzido pelas próprias comunidades negras e movimentos sociais, com apoio do poder público estadual. A partir dos anos 2000, diversas leis estaduais tiveram como objeto salvaguardar o Marabaixo como patrimônio cultural. Em 2025, Carlinhos Brown fez uma homenagem ao Marabaixo no carnaval de Salvador, com a exposição Amazônia Negra.
Em Manaus, a escola de samba do Reino Unido do Morro da Liberdade celebrou, em 2025, a sua ancestralidade afro. A agremiação nasceu de um terreiro de umbanda situado no bairro Morro da Liberdade, cujo nome é uma homenagem à libertação dos escravos na Província do Amazonas, ocorrida em 1884.
Em 2025, a Reino Unido foi novamente campeã, com o enredo Êpahey, Reino Unido! Mojubá, Gbogbo Orixá!. "Epahey, Oyá" é uma saudação à Iansã, orixá dos raios e dos ventos "Mo júbà gbogbo Orixá" pode ser entendida como aquele que guia pelo caminho ao orixá. Entre os muitos orixás citados no enredo, vale destacar Oxóssi, que é um orixá guerreiro, rei das matas e das florestas.
O Pará foi homenageado pela Acadêmicos do Grande Rio, que encantou a Sapucaí com o enredo Pororocas Parawaras — As águas dos meus encantos nas contas dos curimbós. O desfile mostrou o processo de formação da religião afro-brasileira Tambor de Mina. A Tambor de Mina é uma religião afro-brasileira muito praticada no Pará e em outros estados do Brasil, especialmente o Maranhão. Na Tambor de Mina, são cultuados orixás, entidades africanas com nomes brasileiros e caboclos.
Considerar a população afrodescendente na Amazônia, sua cultura e seus valores é fundamental para combater a degradação ambiental e promover a prosperidade das sociedades amazônicas. O enorme respeito das culturas africanas pela natureza é um ativo estratégico que deve ser valorizado e incorporado nos programas de conservação ambiental. Os elevados índices de pobreza, discriminação e violência, por outro lado, apontam para a necessidade de programas sociais específicos para a Amazônia negra, que ainda luta por seus direitos básicos de acesso à terra e à segurança alimentar.
Os impactos das mudanças climáticas tendem a aumentar as desigualdades entre os diferentes segmentos da sociedade brasileira. Diante disso, no contexto da COP30, é essencial elaborar planos de adaptação da Amazônia negra às mudanças climáticas. Isso é essencial para repararmos dívidas históricas do regime escravocrata e evitar o agravamento da injustiça climática no Brasil.
Engenheiro florestal, superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável, professor da Fundação Dom Cabral*