
Guilherme Vinhas — Mestre em economia do direito pela Universidad Rey Juan Carlos (Madri), especialista em direito econômico pela FGV/RJ, advogado especialista em direito regulatório
A expressão freerider é utilizada pelos economistas para caracterizar quem se beneficia de um bem ou serviço sem prestar qualquer contribuição. Em outras palavras: pegar carona, tirar proveito do trabalho alheio. Quanto às mudanças climáticas, freerider é o país que não aderiu ao Acordo de Paris ou não cumpre com as suas obrigações nesse tratado. O resultado é que os demais países precisam aumentar os seus esforços para compensar as emissões que deixam de ser evitadas pelo freerider, pois a atmosfera é um bem comum e de uso ilimitado por todos.
O problema se torna agudo quando o freerider é o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. Numa reprise do que fez na sua primeira eleição, o presidente Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris. O impacto para as próximas COPs não é pequeno. O país deixa de se comprometer com o financiamento das medidas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas, com os mercados globais de carbono e outras iniciativas discutidas no âmbito desse acordo.
A agenda da COP-30 precisará equacionar esses temas diante da ausência dos Estados Unidos. Um desafio que não é trivial, na medida em que havia a expectativa de que o país contribuísse, de forma justa, frente aos danos climáticos que causa.
Ao mesmo tempo, Donald Trump anunciou a intenção de acelerar a produção de combustíveis fósseis e de desidratar a geração de energia renovável. Abdicar da geração de energia renovável ou demonizar os combustíveis fósseis são posições extremas que apenas servem a setores específicos. É preciso ter equilíbrio. A contenção do aquecimento global demanda a redução da intensidade de carbono dos combustíveis fósseis, que causam cerca de dois terços das emissões de gases de efeito estufa, assim como o investimento no conjunto de fontes de energia renovável.
Entretanto, tais iniciativas do presidente Trump não devem afastar outros governos e empresas da transição energética. Ao contrário, a era Trump pode oferecer oportunidades para os países e empresas que estiverem bem posicionados para atender às demandas de descarbonização da economia, inclusive nos Estados Unidos.
Isso porque o governo Trump não tem o monopólio das iniciativas de combate às mudanças climáticas no país. Parte dos estados, da iniciativa privada e dos consumidores americanos é sensível aos alertas da ciência. E, portanto, vê valor nas medidas de mitigação das mudanças climáticas.
Tendo em vista que o Brasil é uma potência global em biocombustíveis e possui uma matriz energética limpa em relação a outros países, se oferecermos segurança jurídica, previsibilidade e estabilidade de regras, podemos aproveitar o momento para atrair investimentos na produção de energia renovável.
Esse processo já está em andamento. Nos últimos meses, o Congresso Nacional, com o Ministério de Minas e Energia, avançou na criação de importantes marcos legais: são seis leis fundamentais para a transição energética.
Em junho de 2024, foi sancionada a lei que criou o Programa Mover, cujo objetivo é estimular a cadeia de produção de veículos e o investimento em inovação e tecnologia para tornar a frota nacional mais sustentável e eficiente em relação às emissões de gases de efeito estufa.
Em agosto de 2024, foi publicado o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono, que visa estimular a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologia para a sua produção a partir dos diversos ativos energéticos brasileiros.
Posteriormente, em outubro de 2024, foi publicada a lei que deu vida ao Programa Combustível do Futuro, uma ambiciosa iniciativa para descarbonizar o transporte no Brasil. Já em dezembro de 2024 foi sancionada a Lei que cria o mercado regulado de carbono, denominado Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa.
No início de janeiro, foi sancionada a Lei que dispõe sobre a geração de energia eólica offshore. Mais recentemente, foi publicada a lei que cria o Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten), que permitirá o financiamento de projetos conectados à transição energética mediante a utilização de créditos tributários e precatórios da União.
Esse conjunto de leis precisará ser regulamentado e, idealmente, as agências reguladoras responsáveis pela sua implementação deverão receber um reforço de pessoal e de recursos financeiros proporcional ao aumento de suas atribuições decorrente desses marcos legais.
O Brasil segue, portanto, criando as bases para ocupar grande espaço nesse movimento global que é a transição energética, enquanto o governo dos Estados Unidos caminha no sentido oposto. Se formos eficientes na regulamentação dessas atividades, criando um ambiente regulatório e econômico saudáveis, poderemos aproveitar o momento para capturar investimentos que, em outras circunstâncias, iriam para o Hemisfério Norte.