
Sentei ao computador para escrever este texto depois de ler o artigo impactante da nossa repórter de ouro, Liana Sabo. E agora estou aqui procurando as palavras certas para falar da importância deste dia histórico que não cobri como jornalista profissional. Neste sábado, 15 de março, são 40 anos de redemocratização do Brasil. Vejo este dia com os olhos de Liana; também com os olhos de José Sarney, aquele que assumiu como presidente da República no susto ou, como ele me disse, “levitando”.
Liana escreve às vésperas de completar 57 anos como repórter do Correio Braziliense. Descreve de maneira prodigiosa e com detalhes preservados na sua sempre excelente memória as horas que antecederam ao dia da posse de Sarney no lugar de Tancredo Neves. Na época, antes de se tornar uma jornalista de referência na área da gastronomia, Liana cobria o Itamaraty.
Reescrevo aqui o final do seu artigo, uma pérola: “Quando raiou o dia, a edição estava fechada. Fui pra casa, tomei um banho e um café forte e me vesti depressa para chegar cedo à posse no Palácio do Planalto. Quando José Sarney, do alto dos seus 55 anos, abriu o discurso, emocionado, dizendo ‘estou com os olhos de ontem’, eu comentei baixinho no quadrado de imprensa, frente às autoridades: ‘Eu também, presidente’. Assim, insone, eu vi renascer a democracia no Brasil”.
Para mim, não existe nada mais rico do que testemunhar a história. São momentos assim que renovam a paixão pelo jornalismo. Cheguei a Brasília em 1987 para trabalhar como jornalista. Liana já estava desde 1968. Era uma das poucas, raras e bravas jovens repórteres cobrindo os bastidores do poder. Posso imaginar seu cansaço, mas também sua devoção pelo trabalho no momento de testemunhar esse dia histórico
Mulheres incríveis, como Liana, abriram caminho no jornalismo. Cobriram a Constituinte quando nem banheiro feminino havia no Congresso Nacional — como bem lembrou Maria de Lourdes Abadia, mulher política constituinte, em evento realizado ontem no Panteão da Pátria pela Fundação Astrogildo Pereira com apoio Correio.
Quando comecei, cobrindo buraco na rua, como se diz no jargão jornalístico, mirava as mulheres que iam construindo sua história no jornalismo e entendendo tudo com elas. Pavimentaram meu caminho. E eu estou aqui para agradecer a elas e esperando que a minha trajetória seja útil também para outras jovens jornalistas.
Para mim, pessoalmente, estar com Sarney para a entrevista sobre a redemocratização, que publicamos alguns dias atrás, foi revisitar o tempo a partir de quem o viveu com muita intensidade. (veja a entrevista abaixo) Ler o artigo de Liana foi reviver o dia com os olhos de repórter a partir do seu relato tão bem escrito.
Folheando as páginas das edições do Correio na época, vejo que o jornal fez uma cobertura histórica — que vamos rememorar numa série de reportagens especiais. Olhos de ontem, como disse Sarney em seu discurso de posse ouvido in loco por Liana, são os olhos de sempre. São eles que eternizam momentos históricos. Num tempo de informações tão voláteis, testemunhos impressos valem ouro. O artigo de Liana é para recortar e colar.