
Márcia Abrahão — Ex-reitora da UnB, ex-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes)
Talvez, poucas pessoas no Distrito Federal saibam que, há mais de 30 anos, servidores públicos da Universidade de Brasília (UnB) enfrentam uma luta judicial incansável para garantir a manutenção de um direito conquistado em 1991. À época, o então reitor Antônio Ibañez estendeu administrativamente o benefício de um plano econômico (URP) a todos os servidores da instituição, correspondendo a 26,05% do salário. De forma corajosa e respaldado pelo então procurador da universidade, e que viria a ser reitor pró-tempore, o professor da Faculdade de Direito Roberto Aguiar, Ibañez agiu com base constitucional na autonomia universitária.
Entre tantos legados que Darcy Ribeiro, um dos fundadores da UnB, deixou para o nosso país, está a luta e a defesa da democracia e da autonomia universitária. Segundo Darcy, a universidade deveria reger a si própria, livre e responsavelmente, como um serviço público e autônomo.
A autonomia, uma das marcas de uma universidade, veio a ser assegurada a todas as universidades brasileiras somente na Constituição Federal de 1988, configurando-se em um pilar fundamental da gestão democrática, assim como para a preservação da liberdade de cátedra e para a defesa de direitos. Essa prerrogativa foi exercida pelo reitor Antônio Ibañez e tem sido essencial para o Brasil manter suas universidades públicas fortes, democráticas e comprometidas com a justiça social e com o desenvolvimento do país, em que pesem as inúmeras barreiras cotidianas para a manutenção da autonomia universitária.
Durante o meu mandato como reitora, entre 2016 e 2024, a justeza do pleito dos servidores técnicos e docentes nos levou a muitas frentes de atuação junto aos poderes Executivo e Judiciário. A defesa do benefício URP exigiu muito trabalho, coragem, diálogo e planejamento. Todas as ações da Reitoria eram imediatamente reportadas à comunidade e aos sindicatos, compartilhando, de forma transparente, as medidas que adotávamos e os desafios para a conquista definitiva.
No campo jurídico, o sindicato dos servidores técnicos (Sintfub) e o dos docentes (ADUnB) têm atuado junto aos tribunais em defesa desse direito, prerrogativa que não é mais do reitor ou da reitora em exercício. No artigo A UnB e a responsabilidade da gestão em proteger direitos, publicado no Correio Braziliense em outubro último, eu e o ex-reitor da UnB José Geraldo de Sousa Junior abordamos, entre outros temas, uma parte da batalha que nós, ex-reitores da universidade, com determinação e perseverança, travamos ao longo de mais de três décadas no âmbito político e institucional para assegurar o direito dos servidores técnicos.
Como expressamos aos ministros do sistema judicial e às autoridades públicas, a questão ultrapassa os aspectos jurídicos, envolvendo o sustento de cerca de 9 mil famílias que fazem da UnB uma instituição de excelência, orgulho do Distrito Federal, conforme demonstram nossos resultados nas avaliações nacionais de graduação e da pós-graduação pelo MEC e nos rankings internacionais, além da qualidade da pesquisa e dos inúmeros serviços que prestamos à sociedade.
Em outubro do ano passado, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou decisão de junho do ministro Gilmar Mendes, que manteve o valor integral da URP dos servidores técnicos. O pagamento aos servidores e pensionistas agora depende de uma decisão administrativa para ocorrer conforme a expectativa gerada na instituição.
Superada a questão dos técnicos e técnicas pela decisão do STF, a votação do processo dos docentes ocorre na Primeira Turma do STF, com previsão de encerramento nesta sexta-feira (14). Após décadas de apreensão e luta, o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, fundamenta-se no direito constitucional à dignidade da pessoa humana e no princípio da segurança jurídica, associados ao princípio da boa-fé. Ressalta-se que os docentes recebem o benefício há mais de 30 anos, desde a judicialização da matéria. O voto já foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin, configurando maioria favorável à manutenção da URP dos docentes da UnB.
Esses votos nos enchem de esperança de que a contenda, enfim, esteja perto do seu desfecho a favor de um direito adquirido em 1991, por meio do exercício democrático de uma autonomia assegurada pela Constituição Cidadã, cuja manutenção tem sido arduamente defendida e implementada nas gestões das reitorias subsequentes, e objeto de luta coletiva de diversas gestões dos sindicatos. Nossa expectativa é de que o justo benefício salarial seja definitivamente assegurado e que o belo exemplo de luta, direito e justiça seja seguido.