
Maria José Maninha — Foi deputada distrital e federal. Preside a Asaarauí; Dorgil Silva — ex-conselheiro da Federação dos Jornalistas. Integra a Comunicação da Asaarauí
Muitos se surpreenderam com a escolha das mulheres saarauís, do Saara Ocidental, como as homenageadas pela Marcha Mundial deste 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Estivemos nos acampamentos de refugiados saarauís em novembro de 2023 com mais 31 brasileiros, e temos acompanhado a situação naquele país desértico, onde se desenvolve uma guerra de libertação de parte expressiva de seu território.
O motivo da atual e de inúmeras violações do território do Saara Ocidental ao longo de séculos é a riqueza em fosfato, minérios em geral, pescados, o potencial agrícola. Nesse percurso quase milenar, as mulheres saarauís teciam uma tradição de empoderamento social. Elas compartilhavam com os homens a auto-organização do povo, a defesa e a administração da vida cotidiana até os dias atuais, assumindo protagonismos.
Já no século passado, um movimento libertador inviabilizou a colonização espanhola sobre o Saara Ocidental. Em 1973, a revolucionária Frente Polisário, reconhecida na Organização das Nações Unidas (ONU), e também pelo Brasil, como a representação jurídica e política do povo saarauí, assumiu a liderança da reconquista do seu território e consolidou o empoderamento da mulher na constituição da República Árabe Saarauí Democrática (RASD), em 1976.
Três dos cinco estados da RASD são governados por mulheres, por eleições em que obtiveram mais de 40% das cadeiras do parlamento. A participação feminina em todos os esforços saarauís contribuiu para repelir a tradição escravista de algumas tribos, alcançar o índice de feminicídio zero e repudiar a violência doméstica. Todas as crianças nas áreas controladas pela RASD estão na escola. Inovadora nos costumes, é dito com orgulho que a mulher saarauí festeja muito quando se casa, e promove comemorações tanto altivas quanto respeitáveis quando se divorcia.
Após o enfraquecimento europeu na Segunda Guerra Mundial, disseminaram-se na África os movimentos por independência. As colonizações europeias exploradoras das riquezas do continente foram superadas. A luta de libertação no Saara Ocidental levou à queda do domínio espanhol.
No movimento de saída da África, entretanto, a Espanha, para preservar uma parte dos seus interesses, promoveu acordo com dois países africanos vizinhos, Marrocos e Mauritânia, a eles entregando a parte mais rica do território do Saara Ocidental.
A resistência saarauí impôs a retirada da Mauritânia, mas o Marrocos angariou recursos para tentar impedir a entrada dos combatentes saarauís na retomada do território do seu povo. O pai do atual rei, ante a continuada resistência armada, assinou o cessar-fogo com a Frente Polisário, com a mediação da ONU. O acordo incluiu uma consulta democrática ao povo saarauí para decidir o próprio destino.
A ONU nunca realizou a consulta, por pressão do Marrocos. O atual rei, com apoio da Espanha e da França, e, posteriormente, dos EUA e de Israel, desonrou o acordo feito pelo pai. Hoje há um muro de 2.700km com centenas de milhares de minas explosivas que dificultam a tomada do território. Desde 2022, os saaraís decidiram retomar as armas, obtendo vitórias em um contexto internacional pouco favorável.
Em outubro de 2024, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sentenciou que o Marrocos não tem direito, como vem fazendo, de negociar com empresas europeias as riquezas do Saara Ocidental, ao não reconhecer, em toda a história, qualquer soberania do Marrocos sobre o território colonizado. Cabe ao povo saarauí autorizar a exploração de qualquer riqueza ou potencial em seu território, decidiu o tribunal.
Hoje, são 84 os países que reconhecem oficialmente a RASD, com a instalação de embaixadas do Saara Ocidental. Diversos outros mantêm a Frente Polisário como interlocutora, o que é um avanço diplomático que sinaliza a possibilidade de estabelecer relações bilaterais com o povo saarauí diretamente.
Cresce também o movimento internacional de solidariedade da sociedade civil à autodeterminação do povo saarauí, com o lema "Saara Livre". A Associação de Solidariedade e pela Autodeterminação do Povo Saarauí no DF (Asaaraui) programou uma série de atos com divulgação nas redes sociais e comunicados à Imprensa.
Viva o "Saara Livre" no aplauso à mulher saarauí, que alimenta os conceitos da igualdade social, da solidariedade internacional, da República, da prioridade às crianças, aos enfermos, aos necessitados em geral, do respeito à cultura do próprio povo e a dos demais.
Saiba Mais