Saúde

Vacina contra HPV: o caminho para erradicar o câncer de colo do útero

Com a ciência ao nosso lado, vejo um futuro otimista, em que investir na imunização hoje é garantir que essa doença não seja mais uma ameaça para as mulheres

Sem dúvida, a grande lição é que, com a cobertura vacinal ampla e programas de rastreamento adequados, é possível eliminar o câncer de colo do útero como um problema de saúde pública -  (crédito: Freepik)
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Sem dúvida, a grande lição é que, com a cobertura vacinal ampla e programas de rastreamento adequados, é possível eliminar o câncer de colo do útero como um problema de saúde pública - (crédito: Freepik)

Alberto Chebabo**

É possível pensar em um Brasil sem novos casos de câncer de colo do útero, também conhecido como câncer cervical. Não é utopia, é ciência. Estudos apontam que o caminho mais eficaz para o país atingir esse ideal já existe há quase duas décadas. Trata-se da vacina contra o papilomavírus humano (HPV), responsável por cerca de 95% dos casos desse tipo de tumor feminino no mundo. 

Para 2025, segundo previsão do Instituto Nacional de Câncer (Inca), mais de 17 mil novos casos de câncer cervical são esperados. Atualmente, quase 10 milhões de pessoas estão infectadas com o HPV no Brasil, e, de acordo com o Ministério da Saúde, vão surgir 700 mil novos casos por esse vírus por ano. 

Pesquisas demonstram que a imunização reduz drasticamente os casos de infecção e, consequentemente, o desenvolvimento de lesões pré-cancerígenas. Em países como a Austrália e o Reino Unido, nos quais a adesão à imunização é alta, a incidência da doença começou a diminuir significativamente.

Um estudo publicado em 2024 no British Medical Journal, importante periódico científico, avaliou o impacto do programa vacinal contra o HPV na Inglaterra, focando na incidência de câncer cervical e lesões pré-cancerígenas de alto grau (CIN3) em diferentes classes socioeconômicas. Os resultados mostraram que, entre as mulheres vacinadas rotineiramente aos 12-13 anos, houve uma redução de 83,9% na incidência de câncer cervical e de 94,3% na de CIN3 em comparação com aquelas não vacinadas. 

As diminuições foram observadas em todos os níveis socioeconômicos, mostrando que a vacinação é eficaz independentemente do contexto social. No entanto, apesar de os números caírem significativamente, as mulheres em situação de vulnerabilidade social continuaram a apresentar taxas mais altas de câncer cervical e CIN3, sugerindo a necessidade de estratégias adicionais para reduzir essas disparidades. 

O que podemos aprender com uma análise científica tão completa e longeva como essa? Sem dúvida, a grande lição é que, com a cobertura vacinal ampla e programas de rastreamento adequados, é possível eliminar o câncer de colo do útero como um problema de saúde pública. 

Como infectologista há quase 40 anos, acredito no potencial do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e em campanhas sólidas para educar e conscientizar a população, como o Março Lilás, que mobiliza a sociedade para os casos de câncer de colo do útero. 

Posso afirmar que estamos no rumo certo, afinal, dados do Ministério da Saúde mostraram que, em 2024, o Brasil ficou próximo da meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) de vacinação contra o HPV, que é imunizar 90% de meninas e meninos de 9 a 14 anos. O país chegou a marca de 85% do público-alvo vacinado.  

A OMS estabeleceu um desafio ambicioso para erradicar a doença até o fim do século, incluindo três pilares: vacinação contra o HPV para, pelo menos, 90% das meninas até os 15 anos; rastreamento regular para 70% das mulheres; e tratamento para 90% dos casos diagnosticados. Com essas três ações em prática, conseguimos projetar a eliminação da doença nas próximas décadas. 

Mas os desafios para um país de dimensão continental são inúmeros: a começar pela epidemia de desinformação e fake news que adoece as pessoas por meio da propagação de notícias mentirosas — que se espalham como um vírus impiedoso — a respeito das vacinas, gerando hesitação entre pais e responsáveis. 

Outro ponto é que, desde 2014, quando a vacinação contra o HPV começou no Brasil, a taxa de imunização de meninos é menor em 24% do que a das meninas, o que diminui a barreira para frear a circulação do vírus, de acordo com dados do Ministério da Saúde. 

Para além da vacinação, o rastreamento regular por meio do exame preventivo (Papanicolau) e do teste de HPV é essencial para detectar alterações precoces no colo do útero. Esses exames permitem a identificação e o tratamento de lesões antes que evoluam para um câncer, fator que precisa ser ampliado como rotina na atenção básica à saúde desde a adolescência. 

Com a ciência ao nosso lado, vejo um futuro otimista, em que investir na imunização hoje é garantir que essa doença não seja mais uma ameaça para as mulheres. O primeiro passo é simples: vacinar-se e incentivar a imunização de jovens e adolescentes contra o HPV. O caminho para a eliminação desse câncer já está traçado. Basta percorrê-lo.

** Gerente de Atenção à Saúde do Hospital Clementino Fraga Filho da UFRJ e infectologista dos laboratórios Sérgio Franco e Bronstein

Alberto Chebabo - Opinião
postado em 10/03/2025 06:01