Opinião

Só um Oscar não resolve nada

O Oscar pode ser um ponto de inflexão, mas apenas se for acompanhado de um esforço contínuo para fortalecer o vínculo do público com a produção nacional

Historicamente, o Brasil sempre precisou do aval estrangeiro para reconhecer a própria grandeza -  (crédito: Maya Dehlin Spach/ AFP)
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Historicamente, o Brasil sempre precisou do aval estrangeiro para reconhecer a própria grandeza - (crédito: Maya Dehlin Spach/ AFP)

José Manuel Diogo**

Ainda Estou Aqui venceu o Oscar de Melhor Filme Internacional, um feito que coloca o cinema brasileiro no radar global. Mas, e agora? Essa vitória representa um divisor de águas ou apenas um brilho passageiro?

A consagração no Oscar traz benefícios concretos: maior visibilidade internacional, facilitação de acordos de coprodução e, no curto prazo, um renovado interesse pelo cinema brasileiro. Mas será suficiente para garantir um renascimento da indústria nacional?

Foram a professora Heloísa Starling e a historiadora Lilia Schwarcz que me ensinaram que os brasileiros sempre se enxergam primeiro como não brasileiros. Portugueses no século 18, ingleses no 19 e americanos, no 20. De novo, portugueses no século 21? Isso não muda.

Historicamente, o Brasil sempre precisou do aval estrangeiro para reconhecer a própria grandeza. No cinema, isso também é evidente: Central do Brasil (1998), Cidade de Deus (2002) e O pagador de promessas (1962) só ganharam status de "clássicos nacionais" após triunfarem lá fora. 

Isso levanta uma questão incômoda: até que ponto dependemos desse reconhecimento para valorizar nossa própria cultura? A vitória representa um êxito ou apenas reforça a ideia de que, sem Hollywood, não existimos?

É provável que o sucesso do filme de Salles traga um impulso momentâneo ao cinema brasileiro. Distribuidores podem se interessar por novas produções, e a crítica internacional, por um breve período, olhará para o Brasil com curiosidade. Mas isso não resolve os problemas estruturais que persistem há décadas.

O desmonte das políticas de fomento ao audiovisual, a concentração do mercado em blockbusters estrangeiros e a falta de incentivo à exibição de filmes nacionais nos cinemas são barreiras que nem um Oscar pode derrubar. Afinal, foi o próprio Salles quem disse que Ainda demorou sete anos a ser terminado.

Para que o Oscar não seja um episódio isolado, são precisas medidas concretas. A primeira é a reconstrução das políticas de incentivo ao audiovisual. Países com forte tradição cinematográfica, como França e Coreia do Sul, não deixaram o destino de suas indústrias nas mãos do mercado. Criaram mecanismos de proteção e financiamento que garantem um fluxo contínuo de produções e uma presença relevante nos cinemas.

O Brasil já teve políticas eficazes nesse sentido. A Lei do Audiovisual e o Fundo Setorial do Audiovisual foram fundamentais para a explosão de produções nacionais na década de 2000. Mas o desmonte dessas iniciativas nos últimos anos fragilizou a indústria. 

Outra questão crucial é a regulação do mercado exibidor. O espaço do cinema nacional dentro do próprio país é reduzido, esmagado pela hegemonia dos blockbusters americanos. No fim dos anos 1990, o Brasil implementou a cota de tela, obrigando as salas de cinema a exibirem um percentual mínimo de filmes nacionais. Essa medida, que já provou ser eficaz, precisa ser modernizada e ampliada.

A Coreia do Sul, por exemplo, instituiu cotas para filmes locais nas salas de cinema e exigiu que as plataformas de streaming investissem na produção de conteúdos sul-coreanos. O resultado? Um mercado cinematográfico fortalecido, exportando filmes e séries para o mundo todo.

Mas nenhuma política de incentivo ao cinema será eficaz se não houver um público. E isso passa diretamente pela formação do espectador brasileiro. O cinema nacional precisa ser valorizado desde a escola, com programas educativos que promovam o contato dos jovens com a produção audiovisual brasileira.

Na França, filmes nacionais são amplamente utilizados em salas de aula, integrando currículos escolares e festivais estudantis. No Brasil, iniciativas como a Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis demonstraram o potencial de um trabalho contínuo nesse sentido, mas ainda são ações pontuais. É necessário institucionalizar essa prática.

Além disso, a mídia e os próprios cineastas devem investir mais na criação de um imaginário cultural em torno do cinema brasileiro. Durante décadas, a música brasileira se consolidou como uma marca reconhecida internacionalmente, algo que o cinema ainda luta para alcançar. O Oscar pode ser um ponto de inflexão, mas apenas se for acompanhado de um esforço contínuo para fortalecer o vínculo do público com a produção nacional.

Se quisermos que o Brasil tenha um cinema forte e independente, precisamos parar de buscar validação externa e começar a garantir que nossas histórias sejam contadas, assistidas e celebradas por nós mesmos. Afinal, um cinema não se constrói apenas com prêmios, mas com público.

Talvez seja esse o maior desafio: fazer com que o Brasil, enfim, aprenda a se enxergar como Brasil.

 **Escritor, produtor cultural e presidente da Associação Portugal Brasil 200 anos 

José Manuel Diogo - Opinião
postado em 09/03/2025 06:01