Artigo

A importância do regime de colaboração para a educação infantil

Garantir uma educação de qualidade e sem rupturas, independentemente da localidade, é um desafio que exige articulação efetiva entre as diferentes esferas de governo

MOZART NEVES RAMOS, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto

No passado não muito distante, a educação infantil foi, equivocadamente, uma etapa escolar relegada ao segundo plano no debate educacional do país. Mas, felizmente, temos visto uma série de iniciativas que parecem estar revertendo esse erro histórico. Não há como negar que as políticas públicas voltadas para o atendimento às crianças de zero a cinco anos estão ganhando a musculatura merecida, com a clareza de que demanda o binômio: cuidar e educar. Mas isso não se faz sozinho. A articulação entre as três esferas de governo, com a participação da sociedade, é a melhor estratégia para assegurar um futuro promissor para nossas crianças.

A Constituição Federal, em seu artigo 205, determina que a educação é uma responsabilidade compartilhada entre Estado, família e sociedade. Quando conseguimos, realmente, praticar essa conjunção de esforços, a experiência mostra que ganhamos melhores condições de continuidade das boas políticas públicas, especialmente quando sedimentadas em dados e pesquisas científicas confiáveis. Tais políticas promovem resultados estruturantes e ganham a adesão da sociedade, blindando-as das eventuais descontinuidades em decorrência de trocas de governo, por exemplo.

Esse olhar coletivo é ainda mais necessário na educação infantil. Indo muito além da visão assistencialista, já ultrapassada, a etapa demanda práticas de cuidado e de formação. A ciência vem mostrando a importância dos estímulos e da atenção adequada, com fortes impactos no desenvolvimento cognitivo, socioemocional e nas perspectivas de realizações atuais e futuras da criança, tanto na vida escolar quanto na vida pessoal — estudos de James Heckman, prêmio Nobel de Economia, mostram isso com muita clareza.

Dentro desse contexto, a Fundação Bracell e a Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto tomaram iniciativa de trazer para o debate da educação infantil a urgência de implementar o chamado regime de colaboração. Para isso, convidou especialistas da área e gestores públicos da educação, nas três esferas de governo, para uma mesa de aprofundamento sobre o tema, dando assim continuidade ao I Simpósio Internacional de Educação Infantil, realizado em junho de 2024 na cidade de São Paulo.

Garantir uma educação de qualidade e sem rupturas, independentemente da localidade, é um desafio que exige articulação efetiva entre as diferentes esferas de governo. Municípios, estados e União compartilham tal responsabilidade, ainda que a gestão da oferta, nessa etapa escolar, seja atribuída às redes municipais. Contudo, as disparidades técnicas, financeiras e operacionais entre os mais de 5.500 municípios geram uma gestão educacional heterogênea que impacta a trajetória dos estudantes, desde a educação infantil. 

Atuar em regime de colaboração significa desenhar estratégias e buscar mecanismos para uma atuação coordenada e complementar entre os diversos atores de um mesmo território. Para construir esse entendimento mútuo, é preciso viabilizar o diálogo em espaços de deliberação e tomada de decisão verdadeiramente coletiva, em função do interesse público e do bem comum.

Na educação infantil, o regime de colaboração pode contribuir para a gestão de vagas e matrículas; a definição de calendários anuais comuns; a permuta de servidores ou equipamentos entre municípios e estado; a oferta de assessoria técnica e pedagógica para formação de professores e gestores, produção de materiais pedagógicos e realização de avaliações; e também para o alinhamento na transição para o ensino fundamental.

Tais práticas colaborativas estão mais consolidadas em questões de infraestrutura, como transporte escolar e construção de prédios escolares, mas precisamos avançar na conjunção de esforços com foco no desenvolvimento da educação integral. Se todos queremos ofertar as mesmas oportunidades de uma educação de qualidade para todas as crianças, se temos parâmetros comuns, seja na Base Nacional Comum Curricular, seja nos excelentes documentos, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e as Diretrizes Operacionais Nacionais, ambas em pareceres do Conselho Nacional de Educação, não há porque fazer esse esforço de forma isolada.

Em breve, será lançado o relatório fruto desse debate, como contribuição para amadurecer o tema. Precisamos avançar na elaboração de mecanismos institucionais eficazes para que a colaboração não seja algo optativo, e sim, estruturante para a garantia dos direitos das crianças, desde a educação infantil.

Correio Braziliense
postado em 06/03/2025 06:00