ARTIGO

"Eu abençoo a todos vocês"

Em 2013, logo após a posse, o papa Francisco concedeu entrevista coletiva em que, ao final, virou para os jornalistas e disse que dava a bênção a todos, independentemente de religião. Ali, ele sinalizava o quão vanguardista seria sua gestão

. -  (crédito: Filippo MONTEFORTE / AFP)
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. - (crédito: Filippo MONTEFORTE / AFP)

Definitivamente, o ano começou muito antes do carnaval. Desta vez, o tempo não permitiu esperar depois da folia, antecipou-se. Infelizmente, não por causa de notícias boas. Mas, acredito, sinceramente, que nos momentos de dor que a reflexão fica mais transparente. A longa internação do papa Francisco, em meio a um quadro de instabilidade e incerteza, mobiliza o mundo dos que têm fé. Independentemente da crença, as diferenças são deixadas de lado e todos se colocam em oração por ele — e para ele.

Tanta vibração positiva me transporta para 2013, quando houve o conclave que escolheu Jorge Bergoglio, o argentino, sucessor de Bento XVI, que entrou para história como o papa que teve coragem de renunciar. Como jornalista, tive o privilégio de acompanhar a eleição por 17 dias — antes, durante e depois. Emoção à flor da pele, expectativa e muitos palpites. Descobri ali que há apenas um grupo muito seleto de jornalistas chamados de "vaticanistas" que têm uma série de benefícios para a cobertura do Vaticano e do pontífice.

Esses jornalistas passam por uma severa avaliação da cúpula do Vaticano e devem cumprir vários requisitos, bastante rigorosos. Porém, para o conclave, havia jornalistas do mundo inteiro, inclusive, de países não cristãos nem de maioria católica. Eram 4,8 mil jornalistas, de 65 países que falavam 24 idiomas. Uma verdadeira Torre de Babel.

O porta-voz da época, Federico Lombardi, dava as informações em italiano, cabia a dois padres a tradução para o inglês e francês, de forma mais resumida. Ou seja: por uma questão de necessidade, o milagre era imperativo: eu tinha de entender italiano. Como sou uma pessoa de muita fé, pedi ajuda mental aos antepassados e, consegui.

Mesmo sem ser católica apostólica romana, confesso: impossível não se encantar e entregar à aura de um momento único e mágico, como é o conclave. É algo que transcende as tradições e os protocolos, toca a alma.

Pouco depois, foi a vez de os brasileiros se renderem ao Papa argentino por sua simpatia e esforço em falar portunhol, logo cativou. Mas o surpreendente estava por vir, pelo menos para mim. Dias após a posse, Francisco convocou uma coletiva de imprensa. Eu tinha uma missão dada pela minha mãe e uma grande amiga: benzer terços que tinha comprado. Algo que me fez quebrar a cabeça: como faria para benzer cerca de cem terços? Pensei, pensei e coloquei todos no meu colo, quando o papa levantasse a mão, pronto, estava resolvido.

O papa recebeu os jornalistas, demonstrou como seria sua gestão marcada pela inovação. Ao sair, sorriu e acenou. Segundos depois, retornou. Aí, falando em espanhol, afirmou que: "Gostaria de dizer só mais uma coisa, sei que muitos aqui não são católicos. Mas isso em nada importa. Eu abençoo a todos." Modestamente, eu retribuo em orações.

Renata Giraldi
postado em 03/03/2025 06:00 / atualizado em 03/03/2025 06:00