José Manuel Diego, diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, é fundador da Associação Portugal Brasil 200 anos
As relações entre países não se definem apenas pela geografia, pela economia ou pelo poderio militar. Elas se desenham, antes de tudo, pela vontade. Ao longo da história, foram aqueles que quiseram mais do que puderam que moldaram o mundo. Quando Winston Churchill prometeu ao povo britânico "sangue, suor e lágrimas", não era porque tinha a certeza do poder para vencer, mas porque queria resistir. Quando Juscelino Kubitschek lançou a meta de "50 anos em 5", ele não sabia se o Brasil poderia, mas sabia que deveria. Quando Napoleão Bonaparte marchou rumo à Europa, o que o movia não era o seu exército, mas a sua ambição.
Hoje, no cenário global, o poder está cada vez mais descentralizado. A economia digital desmaterializou fronteiras, a geopolítica se move a uma velocidade imprevisível e as grandes potências já não têm o monopólio da inovação ou da influência. Isso significa que nunca foi tão verdadeiro que querer pode valer mais do que poder. E, nesse contexto, a Cimeira Portugal-Brasil representa um teste para a ambição dos dois países. Seremos protagonistas da nossa própria história ou apenas espectadores do que os outros farão?
Portugal e Brasil compartilham um dos maiores ativos geopolíticos do mundo: a língua portuguesa. Com cerca de 300 milhões de falantes espalhados por todos os continentes, esse idioma poderia ser um pilar estratégico na economia do conhecimento, na inteligência artificial e na diplomacia cultural. Mas será?
Se Brasil e Portugal não quiserem — e aqui está a palavra-chave — transformar a lusofonia em um espaço político de influência, perderão o controle sobre seu próprio idioma. O Brasil, com sua população e economia, já ensaia uma diferenciação linguística inevitável. Portugal, por sua vez, não pode mais atuar como guardião de um idioma que deixou de ser exclusivamente seu. A cimeira deveria estabelecer um compromisso real para consolidar a língua portuguesa como um espaço cultural e econômico global: criar mecanismos para o desenvolvimento de inteligência artificial na língua, reforçar a diplomacia cultural e integrar a lusofonia na geopolítica digital.
A pergunta que fica não é "podemos fazer isso?", mas "queremos?".
A relação econômica entre Portugal e Brasil, hoje, baseia-se na premissa de que Portugal é a porta de entrada do Brasil na Europa e que o Brasil, por sua vez, é um mercado promissor para investimentos portugueses. Essa ideia, que tantas vezes defendi em inúmeros fóruns, muito tempo antes de se transformar em política de estado para os dois países, era lógica no século 20, mas está ultrapassada no século 21.
Lembre. Henry Kissinger dizia que "a fraqueza instiga a agressão" e no campo econômico, o mesmo princípio se aplica: a passividade gera irrelevância. Hoje, o mundo é um espaço de conexões rápidas e descentralizadas, onde o que importa não é ser uma ponte passiva, mas, sim, um nó ativo em redes globais. Se Brasil e Portugal quiserem aprofundar sua relação econômica de maneira estratégica, devem olhar além das trocas comerciais tradicionais e apostar em inovação conjunta.
Inteligência artificial, biotecnologia, transição energética e tecnologia aeroespacial são campos em que a colaboração entre os dois países pode gerar impactos reais. Mas inovação também social e política, testando novas modalidades de relação entre os vários níveis de institucionalidade das relações humanas. O Brasil tem escala, talento, dinheiro e matéria-prima. Portugal tem integração europeia, históricos pergaminhos de soft power, acesso a fundos estratégicos e um ecossistema tecnológico crescente. A pergunta, novamente, não é se podem fazer isso, mas sim, se querem.
Se continuarem a enxergar a relação comercial de maneira antiquada, ambos perderão espaço para países mais dinâmicos e ambiciosos. O Brasil tem um peso crescente no Sul Global, enquanto Portugal possui influência dentro da União Europeia e da CPLP. Esse binômio poderia ser um motor para reposicionar a lusofonia no cenário internacional. Mas, para isso, é preciso deixar de lado a retórica e assumir um compromisso real de ação conjunta.
A crescente polarização entre Estados Unidos e China cria uma oportunidade única para países médios consolidarem seu espaço como mediadores e articuladores. O Brasil pode desempenhar esse papel no Sul Global. Portugal pode fazer o mesmo na União Europeia. Mas isso só será possível se houver uma estratégia concertada, em vez de cada país atuar de forma isolada. E a pergunta que se impõe mais uma vez: quererão?
O maior risco da cimeira Portugal-Brasil não é o fracasso. É a irrelevância. Se esse encontro servir apenas para declarações diplomáticas e assinaturas protocolares, sem um compromisso genuíno de ação, o mundo seguirá seu rumo sem esperar por Portugal ou pelo Brasil.
Se Portugal e Brasil quiserem de fato reinventar sua relação, a cimeira pode ser um marco histórico. Mas, se hesitarem, ficarão para trás. Querer ou não querer, eis a questão. A história será sempre escrita por aqueles que melhor souberem responder.