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No piloto automático? Qual a posição do Ministério da Saúde sobre a Saúde Suplementar?

No Brasil, ao contrário do que muitos pensam, há somente um sistema de saúde: o SUS. O setor privado participa de forma complementar e deve atuar de maneira integrada para garantir o direito à saúde

Marcelo Queiroga, Médico cardiologista e ex-ministro da Saúde

 

No Brasil, o setor de planos de saúde representa uma atividade econômica emergente, regulada pela Lei nº 9.656 desde 1998. Houve crescimento e, hoje, mais de 50 milhões de brasileiros contratam planos de saúde privados. Em 2024, as operadoras de planos obtiveram mais de R$ 230 bilhões em receita de contraprestação. No primeiro semestre de 2024, a área lucrou R$ 5,6 bilhões — um aumento de 180% em relação ao mesmo período de 2023.

O setor é importante para a economia quanto à geração de empregos, tributos e renda. Desde 1998, houve um movimento de fusões e aquisições, que resultou em forte concentração empresarial. Hoje, há 673 operadoras em atividade, sendo que um número restrito delas concentra a maior parte dos beneficiários. Compete ao poder público atuar para ampliar a concorrência e promover o equilíbrio entre os diversos segmentos: operadoras, prestadoras e beneficiários.

No Brasil, ao contrário do que muitos pensam, há somente um sistema de saúde: o SUS. O setor privado participa de forma complementar e deve atuar de maneira integrada para garantir o direito à saúde. O Consu, que estabelece as diretrizes de políticas públicas a serem executadas pela ANS, tem como um de seus integrantes o ministro da Saúde.

O Consu, que tinha pouco protagonismo antes de minha gestão, foi convocado para estabelecer a diretriz de enfrentamento da covid-19 na Saúde Suplementar. A diretriz foi aprovada após ampla consulta pública. Trouxemos, sem intervir na atividade regulatória da ANS, um enfoque diferente para esse importante setor, que alguns diziam estar de férias. Não é razoável que, durante duas décadas, não tenha sido estabelecida sequer uma norma de política pública para o setor.

A atual gestão da pasta parece alheia às discussões sobre o setor. Tudo parece caminhar em modo de espera ou no piloto automático. Não foi por falta de assuntos relevantes e de interesse público, a exemplo da exclusão, em 2024, de beneficiários com transtorno do espectro autista e portadores de doenças raras dos planos empresariais por adesão — tema cuja competência não se restringe à agenda regulatória da ANS ou do Judiciário. Esse assunto poderia ser parte de uma diretriz de política pública, tratada no âmbito do Consu. Enfim, essas medidas impactam os programas assistenciais do SUS. A Câmara dos Deputados discute mudanças na legislação que, pela tendência dos parlamentares, devem ampliar as coberturas dos planos de saúde, com impacto inevitável sobre o preço das mensalidades.

Recentemente, em sentido oposto, a ANS submeteu à consulta pública uma proposta para a criação de planos com coberturas reduzidas, exclusivos para consultas e exames, sem atendimento de urgência — uma versão ainda mais enxuta dos antigos planos ambulatoriais, que sumiram do mercado após a cobertura obrigatória da terapia com antineoplásicos de uso oral. Os sinais entre as agendas são contraditórios. Qual é a posição do Executivo?

Por outro lado, o ministro Barroso, do Supremo Tribunal Federal, pediu manifestação da ANS sobre a ação que questiona o caráter exemplificativo do rol de procedimentos da agência. O objeto da discussão é a cobertura de tratamentos que estão fora da lista de procedimentos estabelecida pela agência. À época das discussões sobre a mudança na lei, fui contrário.

Resta-nos saber como ficará o setor sob o comando de Wadih Damous, que no passado já quis fechar o Supremo, indicado por Lula para presidir a ANS, caso seu nome seja aprovado pelo Senado Federal. A Saúde Suplementar, ao que parece, singrará em mar revolto nos próximos anos. 

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