
Robson Cardoch Valdez — Doutor em estudos estratégicos internacionais (UFRGS) e secretário de Relações Internacionais da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal)
O vídeo de Donald Trump que mostra a Faixa de Gaza transformada em um resort de luxo com uma estátua gigante de ouro em sua homenagem é uma propaganda irreal e desumana, principalmente diante de sua proposta colonialista de forçar o deslocamento dos palestinos para o Egito e a Jordânia. Embora apresentada sob a justificativa de proporcionar melhores condições de vida aos palestinos, essa iniciativa ignora aspectos fundamentais da identidade, autodeterminação e direitos humanos desse povo que, de forma destemida, escolheu não abandonar sua terra, a Palestina.
A expulsão dos palestinos desconsidera as graves e notórias violações dos direitos humanos dos palestinos por parte dos sucessivos governos israelenses que já estão sistematicamente documentadas nos relatórios da Human Rights Watch (HRW), da organização israelense B'Tselem e da Anistia Internacional (AI), que classificou como apartheid a perseguição e o tratamento discriminatório impostos por Israel à população palestina, por meio de um "sistema de opressão e dominação". Tudo isso se soma ao parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça que, no ano passado, confirmou a anexação de territórios palestinos por parte de Israel bem como a instrumentalização do regime racista de apartheid contra a população palestina.
Além de apoiar incondicionalmente o genocídio do povo palestino, Donald Trump sinaliza anuência dos Estados Unidos à limpeza étnica dessa população, cuja ligação com a terra é profunda e ancestral. A proposta de realocação em massa não apenas desconsidera esse vínculo, mas também ameaça diluir a identidade palestina, transformando uma questão de libertação nacional em um "problema de refugiados".
A sugestão do presidente norte-americano é tão absurda que nem deveria ser levado a sério, muito menos discutida como solução viável. Tal medida, caso seja implementada, violaria princípios básicos do direito internacional, bem como os direitos humanos fundamentais dos palestinos. Além, é claro, de desconsiderar a complexidade do conflito oferecendo uma "solução" que beneficia exclusivamente os interesses da potência invasora, Israel.
Ao sugerir e defender uma alternativa tão estapafúrdia, o presidente Trump e seus apoiadores nos Estados Unidos, no Brasil e no mundo assumem uma postura não apenas eticamente inaceitável, mas também politicamente irresponsável. Apostam na estratégia de desumanizar ainda mais os palestinos, como é o caso do vídeo postado pelo presidente norte-americano. Buscam convencer a comunidade internacional de que a causa palestina é um "problema" a ser resolvido redistribuindo sua população por outros países.
Do ponto de vista político, a transferência forçada de palestinos para nações vizinhas poderia desestabilizar ainda mais o Oriente Médio. O Egito e a Jordânia já enfrentam desafios internos significativos. Historicamente, ambos os países têm resistido a tais propostas. Contudo, considerando-se que Trump parece estar decidido a instrumentalizar o poderio econômico de seu país como forma de intimidar aliados e adversários, a comunidade internacional precisa, mais do que nunca, estar ao lado dos palestinos na luta pela criação de seu estado livre e soberano.
Por fim, o simples fato de essa ideia estar sendo discutida na arena internacional já representa um retrocesso moral e político. Dessa forma, é crucial considerar que a solução verdadeira para o sofrimento dos palestinos em Gaza não reside em sua remoção, mas na abordagem das causas profundas do conflito. Isso inclui o fim da ocupação ilegal e do apartheid, o levantamento do bloqueio imposto à Faixa de Gaza e a busca por uma solução justa e rigorosa que respeite os direitos dos palestinos à autodeterminação e ao retorno.
É importante ressaltar que Trump nunca sugeriu que Israel cumpra a resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU, que condena a anexação de territórios por meio de guerra, determina que os acordos de paz devam levar em consideração as fronteiras territoriais anteriores à Guerra dos Seis Dias em 1967 e determina a retirada das tropas israelenses de todos os territórios ocupados. Diante de tudo isso, a comunidade internacional deve concentrar seus esforços na promoção de negociações de paz genuínas.
Isso inclui o respeito ao direito internacional e a garantia de que as vozes dos palestinos sejam ouvidas e respeitadas em qualquer decisão que afete seu futuro, como na reconstrução de Gaza, que foi praticamente destruída na incursão assassina das forças ocupantes de Israel, com apoio político, econômico e militar dos Estados Unidos. Adicionalmente, é dever moral de todos condenar as tentativas cínicas de maquiar a proposta desumana de deslocamento forçado de palestinos com um cenário de fantasia, expondo a visão grotescamente colonialista, imperialista e desrespeitosa do presidente norte-americano e seus apoiadores em relação aos palestinos.
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