Opinião

O que é invisível hoje é inadiável

A velocidade de crescimento da população de rua no Brasil – um aumento de 25% em um ano — não é acompanhada por políticas públicas para atendê-la

 Dados do OBPopRua/UFMG mostram que 328 mil pessoas estão em situação de rua no Brasil -  (crédito:  Henrique Lessa/CB/DA.Press)
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Dados do OBPopRua/UFMG mostram que 328 mil pessoas estão em situação de rua no Brasil - (crédito: Henrique Lessa/CB/DA.Press)

André Soler — CEO e fundador da ONG SP Invisível

Entra ano e sai ano, e um problema continua a rondar o país e, principalmente, a cidade de São Paulo: o aumento no número de pessoas vivendo nas ruas. Dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas Gerais (OBPopRua/UFMG), mostram que 328 mil pessoas estão em situação de rua no Brasil, o que representa crescimento de 25% em um ano. O número é 14 vezes superior ao registrado 11 anos atrás. Na maior cidade da América Latina, a situação não é diferente. Na verdade, ela é ainda mais grave: temos 90 mil pessoas que vivem nas ruas e calçadas da cidade de São Paulo, crescimento de 25 mil de um ano para o outro. 

 Os dados alarmantes podem ser ainda piores: pesquisadores no tema alertam que esses números podem ser subnotificados devido à baixa atualização cadastral no CadÚnico e à ausência de contabilização dessa população no Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A velocidade de crescimento dessa população não é acompanhada por políticas públicas para atendê-las. A rede de assistência social, via de regra no Brasil, é precária e ineficiente. A cidade de São Paulo, por exemplo, tem apenas 29,4 mil vagas de abrigos, suficientes para acolher apenas um terço do número de pessoas que vivem desabrigadas. 

Apesar da rotina agitada, quem anda pelas ruas consegue perceber esse aumento no número de pessoas dormindo nas calçadas das cidades. Com o olhar atento, é possível também identificar que o perfil e as necessidades dessas pessoas estão mudando. Se antes o estereótipo que tínhamos do "morador de rua" era o homem negro, que fazia uso de álcool e droga, agora vemos um grande aumento no número de idosos, crianças, mulheres, imigrantes e transexuais. 

Para se ter ideia do tamanho do problema, a cidade de São Paulo registrou aumento de 12 vezes no número de crianças e adolescentes em situação de rua. Em 2013, eram 309 menores. Em setembro de 2024, esse número alcançou 3.961, representando 5% da população de rua da capital paulista, que concentra 46% dos menores de idade em situação de rua no Brasil. 

A população de rua é composta por uma diversidade de perfis e histórias de vida. Desde jovens que fogem dos lares abusivos até idosos que perderam suas casas devido a dificuldades financeiras. Há ainda as pessoas que enfrentam problemas relacionados à saúde mental, dependência química e outros desafios pessoais, que contribuem para a sua situação atual. 

Reconhecer essa diversidade, olhar para essas pessoas e conhecer de perto a história delas é fundamental para pensarmos em iniciativas que vão, de fato, aliviar o sofrimento, acolher, empoderar e emancipar. As políticas públicas para solucionar essa questão precisam incluir desde ações integradas de programas de habitação  a tratamento para dependências e suporte psicológico, além de oportunidades de emprego. 

É preciso que governos de todas as esferas — municipais, estaduais ou federal —, terceiro setor, sociedade civil e iniciativa privada se mobilizem para oferecer dignidade para essa população e desenvolver iniciativas criativas, ágeis e eficazes para tratar essas pessoas e oferecer uma nova perspectiva de vida.  Para isso, é preciso levar em consideração as características dessa população, verificar os motivos que levam as pessoas para as ruas e identificar os maiores problemas que elas enfrentam em seu dia a dia, que vão desde a fome até a violência, o frio e as ondas de calor, cada vez mais frequentes. 

Tirar da invisibilidade, conhecer a fundo as histórias, os problemas e as ideias é fundamental para que consigamos desenvolver políticas públicas e iniciativas que vão evitar que mais pessoas tenham que ir para as calçadas, aliviar o sofrimento de quem está lá e oferecer uma nova oportunidade para quem quer ter uma nova vida. Para isso, precisamos apurar o olhar e, de forma humanizada, desenvolver estratégias para que o próximo ano se inicie de maneira diferente e que esse problema, muitas vezes invisível, seja, de fato, resolvido.

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postado em 21/02/2025 06:00