Dia Mundial do Câncer

Unidos pelo único

A forma como cada um é tocado pelo processo de adoecimento e tratamento varia profundamente, tornando o olhar individualizado uma necessidade, não um luxo

Médica segurando as mãos de uma paciente mais velha
 -  (crédito: Reprodução/Freepik)
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Médica segurando as mãos de uma paciente mais velha - (crédito: Reprodução/Freepik)

Gustavo Faibischew Prado — Coordenador da Comissão de Câncer da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT)

No Dia Mundial do Câncer, celebrado em 4 de fevereiro, é necessário refletirmos sobre a jornada do paciente com diagnóstico de câncer de pulmão — uma doença permeada por desafios que perpassam sua prevenção, seu diagnóstico e seu tratamento, já sabidamente bastante complexos. E nunca é tarde para lembrar que mais de 2,4 milhões de pessoas são diagnosticadas com câncer de pulmão no mundo a cada ano e, no Brasil, são, ao menos, 32.000 novos pacientes anualmente.

Mas não somos apenas números ou humanos em série numa linha de fabricação. As dessemelhanças que nos caracterizam também nos acompanham quando adoecemos; desde as diferenças do alcance dos programas de prevenção (paradoxalmente mais frágeis e distantes em estratos educacionais mais baixos e em grupos sociodemográficos e étnico-raciais vulnerabilizados), e que passam pelo acesso (literalmente a "porta de entrada") desigual aos sistemas de saúde e toda uma fragmentação da cadeia de cuidado.

Ao atravessar esse caminho, iniciado por vezes em meio à ansiedade da suspeita diagnóstica, a pessoa se vê imersa, soterrada, numa enorme e densa carga de sentimentos desconfortáveis e muito pouco abordados publicamente, como medo, revolta, culpa, negação, solidão e desesperança. Cada paciente vivencia essa realidade de maneira única, pois não há duas trajetórias iguais.

Nesse contexto, é essencial que desenvolvamos sensibilidade para perceber cada paciente como o protagonista de uma história inédita. Mesmo com diagnósticos semelhantes, as experiências e necessidades são diversas, moldadas por suas biografias, expectativas, recursos emocionais, repertório de ferramentas de enfrentamento e, claro, pelo suporte de que dispõem. 

A forma como cada um é tocado pelo processo de adoecimento e tratamento varia profundamente, tornando o olhar individualizado uma necessidade, não um luxo. Para muito além das estratégias coletivas de prevenção e diagnóstico precoce, devemos nos comprometer com uma abordagem centrada na pessoa que está naquele momento diante de nós, num processo respeitoso de escuta e troca, acolhendo seus sentimentos e validando suas reações. 

Sim, é natural sentir revolta e mesmo passar pela negação; e ninguém é obrigado a manter-se otimista e manifestar gratidão o tempo todo como se estivéssemos capturados na atmosfera irreal da "positividade tóxica" das redes sociais. 

O papel do profissional de saúde deve ser caminhar lado a lado com cada paciente, aliviando o sofrimento, esclarecendo dúvidas, alimentando a esperança que não é o avesso do realismo, e pode ser, antes disso, o combustível dele — ajudando a "repavimentar" o caminho durante a jornada do tratamento. Afinal, para muitas pessoas, o diagnóstico de uma doença potencialmente ameaçadora representa uma perda momentânea de direção, um sentir-se "sem chão" diante do desconhecido; um verdadeiro e solitário luto de si mesmo.

O câncer de pulmão é uma condição, em si, multifacetada (em tipos, subtipos, estádios e tratamentos). Mas, para muito além dessa complexidade, reconhecer as diferenças individuais deve ser um dos pilares essenciais do cuidado. E o tema proposto, neste ano, pela Union for International Cancer Control (UICC) para o Dia Mundial do Câncer — United by Unique (unidos pelo único, numa tradução livre) — ressoa profundamente com essa perspectiva. Somos diferentes, com histórias e necessidades distintas, mas podemos nos unir por um propósito comum: oferecer cuidado, compreensão e apoio genuíno aos pacientes. 

Nosso compromisso, portanto, deve ir além do que nos mostram os exames, do que nos revelam os laudos e do que nos sugerem as diretrizes; devemos enxergar o indivíduo por completo, com suas fragilidades e fortalezas, e apoiar a construção colaborativa de um enfrentamento digno da sua doença, dos processos — por vezes tão duros — do tratamento e, também (sim, precisamos falar sobre isso) da perspectiva da finitude. 

E essa responsabilidade não cabe apenas aos profissionais de saúde: é um chamado a toda a sociedade. Familiares, amigos e comunidade têm um papel essencial na criação de um ambiente acolhedor, em que cada pessoa com câncer se sinta compreendida e apoiada. Que possamos, de forma coletiva, ser agentes de mudança e suporte, transformando tantos desafios em oportunidades para um cuidado mais humanizado, acessível e inclusivo.

 

Opinião
postado em 04/02/2025 06:00