
Liliana Chopitea — Chefe de Políticas Sociais do Unicef no Brasil
O Brasil começou o ano com uma boa notícia: o país conseguiu reduzir a pobreza multidimensional na infância e na adolescência. Em 2017, eram 34,3 milhões (62,5%) de meninas e meninos vivendo com um ou mais direitos violados. Em 2023, o número caiu para 28,8 milhões (55,9%). Ainda há um grande desafio pela frente, mas a melhoria merece ser celebrada e utilizada como exemplo para que o país continue avançando.
Os dados são de um estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), lançado neste mês. Nele, explicamos que a pobreza infantil é multidimensional porque vai além da renda. Ela é resultado da relação entre privações, exclusões e vulnerabilidades que comprometem o bem-estar de meninas e meninos. Crianças e adolescentes precisam ter todos os seus direitos garantidos de forma conjunta, já que os direitos humanos são indivisíveis.
O estudo, baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), analisou sete dimensões fundamentais: renda, educação, acesso à informação, água, saneamento, moradia e proteção contra o trabalho infantil — além de uma análise sobre segurança alimentar. Os resultados mostram que o Brasil conseguiu avançar nas diversas dimensões avaliadas, reduzindo a pobreza multidimensional e impactando positivamente meninas e meninos em todo o país.
Olhando os dados com atenção, vemos que a redução da pobreza multidimensional foi influenciada principalmente pelo aumento da renda. Em 2017, 25,4% das crianças estavam em privação de renda no país, dado que caiu para 19,1% em 2023. Essa melhoria é um claro reflexo da expansão do Bolsa Família e dos investimentos na recuperação da infraestrutura da assistência social, local que executa tal política. Em termos absolutos, o Unicef mostra que, em 2019, 750 mil crianças e adolescentes saíram da pobreza devido ao Bolsa Família. Em 2023, o número saltou para 4 milhões.
Além do Bolsa Família, há outros avanços importantes que merecem atenção. Vimos intentos louváveis do país na linha do incentivo à intersetorialidade e da transversalidade, como a Agenda Transversal Criança e Adolescente do PPA federal, algo que ainda precisa ser adotado por estados e municípios.
Mesmo com os avanços, é preciso ter atenção às desigualdades que persistem no Brasil. A pobreza multidimensional entre crianças e adolescentes negros permanece consistentemente mais alta em comparação com brancos, destacando disparidades raciais significativas no que diz respeito às condições de vida e acesso a recursos essenciais. Enquanto, entre meninas e meninos brancos, 45,2% estão em pobreza multidimensional, entre negros, o percentual é de 63,6%.
Chamam a atenção, também, as desigualdades territoriais. Crianças e adolescentes que residem em áreas rurais enfrentam consistentemente níveis muito altos de privação. A diferença se dá, de forma mais intensa, quando analisamos o acesso a saneamento, enquanto em áreas urbanas, a privação de saneamento adequado atinge 28% das meninas e dos meninos. No caso de áreas rurais, esse percentual é de quase 92%.
Já as desigualdades estaduais continuam grandes, com os maiores percentuais de crianças e adolescentes na pobreza no Norte e Nordeste. No entanto, embora ainda apresentem os maiores desafios, foram observadas reduções de até 10 pontos percentuais da pobreza multidimensional em alguns estados dessas regiões entre 2017 e 2023.
Diante de todos os resultados desse estudo, o Unicef comemora os avanços do país, mas reforça que é urgente continuar avançando. Para tanto, é importante que a pobreza infantil multidimensional seja mensurada e incorporada como estatística oficial do Brasil, sendo base para o desenvolvimento de políticas públicas.
É urgente que políticas priorizem crianças e adolescentes, inclusive em termos orçamentários, e também políticas intersetoriais e transversais que considerem essas múltiplas dimensões e assegurem que cada criança e adolescente no Brasil tenha seus direitos plenamente garantidos.