OPINIÃO

O poder da narrativa

Celebração do cessar-fogo entre Israel e Hamas foi substituído por uma agridoce guerra de narrativas sobre a solução do conflito

Ontem, o mundo testemunhou um acordo de proporções históricas. Israel e o Hamas chegaram a um cessar-fogo, que deve começar na região de Gaza já a partir do próximo domingo (19/1). Uma pausa no conflito deve trazer um alívio à região, que vive verdadeira tragédia humanitária desde 7 de outubro de 2023. Foram mais de 42 mil palestinos mortos durante o primeiro ano do conflito, segundo o Ministério da Saúde do país. No mesmo período, foram mortos 782 soldados israelenses, além dos 1,2 mil civis no dia do ataque de 7 de outubro, segundo balanço do Ministério da Defesa de Israel. O que deveria ser motivo de celebração, contudo, foi substituído por uma agridoce guerra de narrativas sobre a solução do embate.

Sem grandes surpresas, a notícia sobre o acordo da construção do cessar-fogo foi publicada por veículos de imprensa antes do anúncio oficial. A ação ocorre porque diversos jornalistas têm contato com fontes envolvidas na negociação e conseguem adiantar a informação ao grande público.

Foge do comum, entretanto, a ação do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, publicar mensagem nas redes sociais tomando para si os louros do acordo feito do outro lado do mundo. Em um post na plataforma Truth Social, Trump se colocou como parte dos negociantes: "Temos um acordo para reféns no Oriente Médio. Eles serão liberados em breve. Obrigado".

O agradecimento de Trump antecedeu o anúncio do primeiro-ministro do Catar, Mohammed bin Abdul Rahman Al Thani, mediador da negociação. Al Thani fez um pronunciamento público horas depois do post de Trump dando detalhes do acordo, uma vez que fez de fato parte das negociações.

Após as declarações do primeiro-ministro do Catar, foi a vez do atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, falar sobre o cessar-fogo — vale lembrar que a posse de Trump como novo presidente ocorrerá apenas na próxima segunda-feira (20/1). Biden deu mais detalhes ao indicar que será um "cessar-fogo total e completo, a retirada das forças israelenses de todas as áreas povoadas de Gaza e a libertação de vários reféns mantidos pelo Hamas, incluindo mulheres, idosos e feridos".

A ação de Trump em tentar controlar a narrativa sobre o cessar-fogo tão importante para o Oriente Médio, e para o mundo, não é inédita no universo político. O post de ontem, todavia, chama a atenção por ter sido tão ampliado e maximizado pelo momento extremamente digitalizado em que vivemos. Um post em uma rede social "inventada" por prismas políticos pode se tornar uma verdade para muitos.

Aqui, em terras tupiniquins, no mesmo dia, a população viveu um caso cheio de paralelos. O governo federal decidiu revogar uma medida que previa a fiscalização sobre transações feitas pelo Pix. A ação ocorreu depois de uma chuva de fake news sobre supostas cobranças nas movimentações financeiras — algo que não foi cogitado e, inclusive, é vetado pela Constituição.

Essas fake news não foram criadas (muito menos espalhadas) por acidente. Existe alguém tentando controlar a narrativa, por alguma razão. E coube ao governo conter os danos. A lição que fica é clara: percebas as narrativas ao seu redor. Reflita se elas tentam realizar algum controle. Tome o controle para si.

 


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