Artigo

O Brasil de Taperoá e a Brasília de 2025

Nosso debate é sentir a dor dos que mais precisam e lutam pela mudança na realidade dos mais pobres, desconcentrando renda e sendo empático com o sofrimento de quem não tem emprego, não tem saúde, não tem educação e que sofre com o risco do feminicídio

VALDIR OLIVEIRA — Ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal

Nesse Natal, o Brasil ganhou um presente, o lançamento do filme Auto da Compadecida 2. Uma obra do século passado, na qual Ariano Suassuna traz o cotidiano nordestino, em narrativa de cordel, que envolve a fé e o jeitinho brasileiro de sobreviver. Protagonista dessa história, João Grilo representa o brasileiro que quer ser esperto ao enganar os outros. Simples, virado e mentiroso, João Grilo tem, pela segunda vez, a oportunidade do julgamento final. A história se repete, porque somos quem somos e a essência dificilmente muda.

Com mais uma chance de retornar a vida e mudar sua trajetória, João Grilo volta a Taperoá. Encontra uma cidade dividida entre dois candidatos a prefeito com perfis semelhantes, ancorados em interesses financeiros pontuais. João Grilo se aproveita de sua fama religiosa, uma vez que foi apoiado pela compadecida, para se aproximar dos dois candidatos. Potencializado pela alma fundamentalista do povo sofrido, João Grilo se torna um mito abençoado pela divindade e conquista o carinho do povo de Taperoá.

A polarização entre os candidatos mostrou a oportunidade da trilha do centro. Sem precisar ter lado político, João Grilo se coloca como desejo de ambos os lados. Com sua esperteza e jeitinho de sobrevivência, utilizando a mentira como matéria-prima para conquista dos dois políticos adversários, João Grilo conseguiu  que queria. O terreno político é fértil para um mitômano que utiliza a fé do povo. E quantos não se fazem em mentiras e promessas não cumpridas na política, principalmente quando se tem dinheiro para ajudar a sedução.

Mas a mentira tem perna curta. João Grilo se deparou com o momento em que a escolha precisava ser feita. De um lado, o coronel Ernani, e do outro, o Arlindo, e, no meio, João Grilo. Como sair dessa? O oportunismo de João Grilo o levou a se mostrar como o Tertius da disputa de Taperoá. Aparecendo com uma ternura inocente, a vítima salva pela compadecida, e independente dos dois lados, colocados na disputa. João Grilo se mostrou como centro vencedor, ovacionado pelo povo de Taperoá.

Mas não era o poder que João Grilo queria. Era uma nova oportunidade de se aproveitar do poder e conquistar mais benesses que poderiam ser oferecidas por sua condição. Como nenhum ciclo é permanente, João Grilo se tornou alvo dos dois lados dos quais se aproveitou. E, na tentativa de sair da encruzilhada, encontrou, mais uma vez, a morte e o julgamento final.

O julgamento foi conduzido por Jesus Cristo, e teve o diabo como promotor. Os dois eram inspirações do próprio João Grilo para mostrar que cada um de nós tem um pouco de Deus e um pouco de Diabo. O julgamento é para saber qual dos lados o dominou na vida. Como um bom centrão, nenhum lado o dominou, porque ele ocupou a margem que separa os dois, se aproveitando do que poderiam dar, se ele não passasse do limite da dúvida para a certeza.

É esse o centrão cantado em verso e prosa na obra de Suassuna. Qualquer semelhança é mera coincidência. Não são poucos os que se apresentam como injustiçados, vítimas da incompreensão dos extremos, para ludibriar a boa intenção do eleitor. Mas o que está por trás dessa ternura é uma esperteza e muita mentira.

Tenho a esperança de Brasília ser diferente de Taperoá. Espero que 2025 se inicie com lideranças conectadas com o nosso povo e que conheça suas  dificuldades. Entenda e sinta como os brasilienses mais vulneráveis passam seu dia a dia. Daqueles que sofrem com uma saúde pública que não atende suas necessidades e que dependem da saúde pública do Distrito Federal. Desse mesmo povo que vê seus filhos em escolas públicas que oferecem, de forma absurda, vermes na merenda escolar. Sonho em ter líderes que não aceitem que brasilienses vulneráveis morram em filas do CRAS para pedir o mínimo para sobrevivência.

O debate de 2025 para Brasília não é ser centro, direita ou esquerda. Nosso debate é sentir a dor dos que mais precisam e lutam pela mudança na realidade dos mais pobres, desconcentrando renda e sendo empático com o sofrimento de quem não tem emprego, não tem saúde, não tem educação e que sofre com o risco do feminicídio. 

Não será com mentiras e vaidades que construiremos a Brasília dos sonhos dos brasilienses. Ao contrário, será descortinando os que abusam da boa vontade do povo para enriquecer e utilizar o Estado como sua propriedade privada. Meu desejo é que 2025 seja o ano em que iniciaremos a construção de uma nova Brasília.

 


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