José Natal*
A estatística não falha, é precisa e verdadeira. Nunca na história de São Paulo e do Brasil, um índice tão alto de registro de casos de violência policial contra pessoas de todas as classes foi comprovado. Predominam chutes, pontapés, socos no estômago e nas costas de gays, pobres e pessoas negras. Entre as vítimas, também muitos marginais e desocupados que perturbam a comunidade e devem ser punidos, sim. Mas não espancados e tratados como sacos de batatas. Nos últimos dias, as imagens de câmeras de rua e de celulares mostraram ao Brasil o comportamento absurdo e inaceitável de um elemento da PM paulista atirando uma pessoa do alto de uma ponte. O policial foi preso, diz a PM.
Não pode e não deve ser considerado normal a polícia atirar pessoas do alto de uma ponte, como também não se pode admitir que qualquer detido pela polícia seja pisoteado, esmurrado, muitas vezes já rendido e estirado no chão. Não é exagero dizer isso, a mídia e imagens da própria polícia apresentam essas provas quase que diariamente nas ruas das cidades brasileiras. Questionados sobre as atitudes bestiais desses policiais, chefes e comandantes enviam à imprensa nota informando que a entidade não tolera atitudes desse porte na corporação e que os envolvidos ficarão em atividades internas.
Em resumo, o camarada espanca o cidadão no meio da rua e recebe como prêmio alguns dias no ar-condicionado e cafezinho na chamada atividade interna, até que se apure o comportamento de cada um. Que a PM não subestime a inteligência do cidadão. Ninguém quer, e não pode querer, que o policial civil ou militar saia por aí dando beijinhos ou entregando flores pra ninguém. O marginal, aquele que agride, rouba e mata, deve ser preso e levado à cadeia. E, depois, julgado e condenado. Nem a benevolência de algum magistrado, que julga, perdoa e solta, pode ser utilizada para que se pratique a chamada justiça pelas próprias mãos.
Ciente dos abusos da força policial, o governador Tarcísio de Freitas, que antes dizia que não estava nem aí, voltou atrás e agora diz que adotará medidas severas. Alguém do seu partido político deve ter soprado no seu ouvido que frases assim costumam dar problema.
Aqui, mais do que nunca, vale lembrar o que disse o ministro da Defesa, José Múcio, dias atrás. Lembra ele que não podemos confundir o CPF do cidadão com o CNPJ da corporação.
O que se pede é muito simples, e fácil de fazer. Basta seguir o protocolo, exercer a profissão como ela exige que seja exercida. Não faz sentido o cidadão sentir medo do policial. Ao contrário, ele deve ser visto como protetor, guardião, um símbolo de segurança. Quem usa uma farda deve saber fazer uso dela e não utilizá-la como escudo que o credencie a bater ou humilhar pessoas.
A corporação da Polícia Militar nada tem a ver com as atitudes de quem se utiliza da farda para ostentar um poder que não tem e se valer dela para esboçar valentias e agressões. A farda, o uniforme do policial, é, nada mais nada menos, do que a sua identidade perante o público e, por ela, deve sempre ter consciência da responsabilidade da função que ocupa. O simbolismo da farda para o militar tem o mesmo peso que o jaleco tem para o médico, e a toga para o magistrado. O erro acontece em todas as profissões. A diferença é que, em algumas delas, o erro pode significar danos irreparáveis, vitimando inocentes.
A estatística pontua com imparcialidade e olhos atentos. Mostra, por exemplo, o que aconteceu em abril de 2019, quando oito policiais com a farda do Exército fuzilaram com 257 tiros o carro de Ewaldo Rosa e membros de sua família quando voltavam de uma festa de aniversário em Guadalupe, região norte do Rio. A operação foi comandada pelo tenente Ítalo da Silva Nunes, que alegou legítima defesa e confundiu o carro das vítimas com outro que conduzia traficantes. O catador de recicláveis Luciano Macedo, que tentou ajudar as vítimas, também morreu baleado. Os policiais foram julgados e condenados a 28 anos de prisão pelo Tribunal Militar. No último dia 18, o ministro do Superior Tribunal Militar Carlos Augusto Amaral, atendendo aos apelos da defesa, reduziu a pena para três anos de prisão, em regime aberto. Alegou o ministro que as provas apresentadas eram irrelevantes, fato que chocou juristas e as famílias enlutadas.
Tudo muito estranho, alguma coisa está fora da ordem. A violência como exceção exige debates. Buscam-se soluções. Como regra, resvala na insanidade e não pode ser admitida em hipótese alguma. Suspeitos de atuações contra a democracia brasileira, militares do Exército foram presos e estão sendo investigados. O que eles supostamente fizeram também entra no capítulo violência. Pela primeira vez na história do país, um general quatro estrelas "comemora" a passagem do ano atrás das grades. Um golpe melancólico do destino. Ano que passou meio cinzento para o verde-oliva. Acontece.
*Jornalista