Opinião

Visão do Correio: É urgente estimular a doação pediátrica

O Brasil, dono de um dos maiores sistemas públicos de transplantes do mundo, tem por obrigação ampliar o número de crianças assistidas

Especialistas defendem a realização de campanhas voltadas para o público infantil  -  (crédito:  Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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Especialistas defendem a realização de campanhas voltadas para o público infantil - (crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Conduzindo um trabalhoso processo para reverter a queda nos  transplantes de órgãos em razão da pandemia da covid-19 — a quantidade de cirurgias e doações caiu drasticamente durante a crise sanitária —, o Distrito Federal enfrenta um dilema ainda maior quando  quem está à espera de um procedimento que pode salvar a própria vida é uma criança. Como mostra reportagem do Correio Braziliense desta terça-feira, a resistência à doação de órgãos pediátricos é grande na capital do país, resultando em uma dramática batalha pela sobrevivência travada pelos pequenos pacientes, seus familiares e os profissionais de saúde. 

Levantamento obtido pelo Correio mostra que, no ano passado, houve no Distrito Federal 10 vezes mais cirurgias de transplante para adultos do que para crianças. Enquanto foram feitos 32 transplantes do coração em pacientes com mais de 18 anos, apenas três menores de idade receberam o órgão vital no mesmo período. Coordenadora clínica de Transplante Cardíaco Pediátrico do Instituto de Cardiologia e Transplantes do DF (ICTDF), a médica Cristina Camargo Afiune relata que, em 2024, houve "pouquíssimos doadores pediátricos" no DF e Entorno, principalmente devido à "recusa dos familiares em fazer a doação".  

Associações médicas, governos e instituições de sociais têm se mobilizado em campanhas que estimulem a doação de órgãos por todo o  país — a campanha Setembro Verde, por exemplo, completou a primeira década no ano passado. Mas parece haver uma inabilidade dessas entidades em focar nas ações que possam beneficiar o público infantil. Há, obviamente, uma tendência natural entre os adultos de proteger os seus pequenos — esse é, inclusive, um dos principais campos de atuação do movimento que nega a eficácia das vacinas —, mas é por meio de uma educação eficaz em saúde que se vence esses obstáculos e se constrói gerações conscientes do valor da saúde coletiva. É árduo o trabalho, mas o Brasil tem expertise. Basta revisitar a simbólica história do Zé Gotinha. 

A falta de compreensão sobre o diagnóstico de morte encefálica e a desconfiança com relação à assistência prestada à criança sem vida também dificultam o processo de doação de órgãos. São pontos nevrálgicos nas unidades de saúde do DF e do resto do país a comunicação da morte dos pacientes e o acolhimento de seus familiares, independentemente da idade que tenham. Corrigi-los passa, entre outros desafios, por sensibilizar categorias profissionais treinadas para impedir a ocorrência da morte a qualquer custo e para não se render à finitude humana.

A emoção, aliás, foi o caminho encontrado por Allana Saldanha, 25 anos, para enfrentar a cardiopatia congênita que ameaça a vida de Samuel, com 11 meses. Ela relata em uma rede social a história do filho, que precisa de um novo coração, na tentativa de conscientizar a população sobre a importância da doação de órgãos."Infelizmente, é na dor que a gente salva vidas", desabafou a jovem mãe ao Correio. O Brasil, dono de um dos maiores sistemas públicos de transplantes do mundo, tem por obrigação ampliar o número de crianças assistidas e mobilizar mais adultos para essa luta em defesa da vida dos que são o futuro do país.

 

Correio Braziliense
postado em 29/01/2025 06:00