Opinião

O retorno de Trump e o futuro das relações Brasil-Estados Unidos

O Brasil pode se ver diante de uma política externa americana mais assertiva e menos flexível, especialmente no que tange às relações com a China e a América Latina.

Donald Trump durante a cerimônia de posse nesta segunda (20) -  (crédito: SHAWN THEW / POOL / AFP)
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Donald Trump durante a cerimônia de posse nesta segunda (20) - (crédito: SHAWN THEW / POOL / AFP)

Robson Cardoch Valdez — Doutor em estudos estratégicos internacionais (UFRGS) e professor de relações internacionais do IDP

O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos traz desafios e oportunidades para o Brasil. Com a nomeação do senador Marco Rubio como secretário de Estado, o Brasil pode se ver diante de uma política externa americana mais assertiva e menos flexível, especialmente no que tange às relações com a China e a América Latina.

Marco Rubio, de ascendência cubana, é conhecido por seu posicionamento linha-dura contra governos autoritários na região e por sua postura crítica em relação à influência chinesa no Hemisfério Ocidental. Assim, levando-se em consideração que as agendas de imigração e narcotráfico foram efetivamente instrumentalizadas pelo candidato Trump durante sua vitoriosa campanha eleitoral, a diplomacia brasileira deverá estar atenta aos efeitos colaterais dessa abordagem no entorno regional sul-americano. Nesse contexto, uma política migratória mais restritiva (deportações em massa) e sanções contra Venezuela e Nicarágua poderão, por exemplo, impor uma nova dinâmica a esse fluxo migratório que tem os Estados Unidos como principal destino.

Da mesma forma, a China foi outro pilar da campanha de Trump que conseguiu, juntamente com a temática migratória, mobilizar eleitores para além de sua bolha ideológica, dando-lhe a vitória, inclusive, em estados tradicionalmente democratas. Assim, o Brasil pode ser indiretamente impactado pela guerra comercial envolvendo chineses e  norte-americanos, dado que Brasil e China apresentam uma relação econômica cada vez mais profunda. Percebam que o inconformismo da estreita relação sino-brasileira já tinha sido externalizado pelo primeiro governo Trump, no caso do uso da tecnologia 5G, e pelo governo Biden, no caso da eventual adesão do Brasil ao projeto chinês Belt and Road Initiative (Nova rota da seda).

Por outro lado, a relação bicentenária de Brasil-Estados Unidos é marcada por altos e baixos, mas sempre manteve um diálogo aberto. Essa longevidade nas relações diplomáticas pode servir como um fator de estabilidade em tempos de incerteza. O Brasil continuará sendo um ator relevante na América Latina, e os Estados Unidos precisarão manter laços sólidos com o país, seja por interesses comerciais, seja por questões estratégicas, como segurança regional e combate ao narcotráfico. Esses aspectos pragmáticos reforçam a ideia de que interesses nacionais se sobrepõem às roupagens ideológicas dos governos de ocasião. 

O retorno de Trump nos remete ao Império da insegurança apresentado por Andrew Hurrell, em que, segundo esse autor, os EUA não operam como um império tradicional baseado em controle direto, mas como uma potência cuja tentativa de manter a ordem global frequentemente gera desordem e resistência, resultando em um ciclo contínuo de insegurança global. Nesse sentido, Trump reassume a presidência dos Estados Unidos com a tarefa de liquidar as principais faturas com repercussões globais deixadas pelo governo Biden: a guerra russo-ucraniana e o apoio incondicional ao genocídio do povo palestino em Gaza. 

Assim, a grande questão é como o Governo Lula irá se posicionar diante dessa nova configuração geopolítica turbinada pelo desejo do novo presidente norte-americano de acertar contas com parceiros e adversários. Manter uma política externa equilibrada entre os EUA e a China será um desafio, especialmente porque ambos os países são parceiros fundamentais para o Brasil. Contudo, ainda que Marco Rubio venha a ser provavelmente um dos poucos secretários de Estado norte-americanos conhecedores da realidade latino-americana e possa, em tese, dar maior visibilidade à essa agenda regional na Casa Branca, esse tema deverá permanecer abaixo de outras prioridades, como China, Taiwan, Oriente Médio e guerra na Ucrânia. No entanto, Marco Rubio deverá ser assediado por representantes da extrema-direita global, inclusive seus entusiastas brasileiros, no sentido de chamar a atenção e o apoio dos Estados Unidos para suas respectivas pautas domésticas.

Como se vê, o segundo mandato de Trump não significa, necessariamente, um distanciamento entre Brasil e Estados Unidos. Pelo contrário, pode representar um período de redefinição dos termos da parceria. A relação bilateral precisará ser gerida com base em interesses comuns e respeito mútuo, evitando dependências excessivas e garantindo que o Brasil mantenha sua independência e liberdade para navegar por esse cenário desafiador sem comprometer suas relações com nenhuma das grandes potências. Assim, na perspectiva brasileira, a preservação das relações Brasil-EUA dependerá da sua habilidade diplomática em administrar objetivos divergentes e preservar a autonomia do país na arena internacional.

 

Robson Cardoch Valdez - Opinião
postado em 21/01/2025 06:00