Adrien Pages — Formado em gestão de negócios pela EDHEC Business School, com duplo diploma em inovação e estratégia na Maastricht University School of Business and Economics. Cofundador e CEO da Morfo, greentech de restauração florestal
Em 2024, a Amazônia passou por sua pior temporada de incêndios desde 2005, e quase metade do total anual das queimadas aconteceu em um único mês, o de agosto. E não foi só a maior floresta brasileira, o país inteiro enfrentou uma temporada devastadora de queimadas. Dados da MapBiomas, ONG brasileira que, desde 1985, monitora mensalmente as cicatrizes de fogo, revelam que as chamas devastaram mais de 11 milhões de hectares de terra entre janeiro e agosto de 2024 — pouco mais que o equivalente à área da Guatemala. O número marca 2024 como o segundo pior ano desde o início dos registros, apenas 1987 apresentou mais destruição pelo fogo até esse ponto do ano. Em São Paulo, os moradores da capital mais rica do país enfrentaram graves consequências, com cinco dias consecutivos em setembro trazendo a pior qualidade do ar entre as principais cidades do mundo. Céus escurecidos pela fumaça e problemas respiratórios generalizados são um lembrete sombrio da crescente crise ambiental.
Isso levanta uma pergunta difícil: por que devemos restaurar as florestas se elas vão ser consumidas pelas chamas? Alguns argumentam que não há sentido em restaurar florestas porque elas podem queimar. Embora isso pareça lógico à primeira vista, a alegação rapidamente se desfaz quando fazemos paralelos com outras áreas. Devemos parar de tratar pacientes porque alguns procedimentos médicos falham? Devemos parar de investir em educação porque alguns estudantes abandonam os estudos? Claro que não.
O mesmo se aplica à restauração florestal. Usar o risco de incêndios como desculpa para interromper os esforços de recuperar matas devastadas não é apenas simplista, mas também perigoso. Na verdade, restaurar florestas é uma das maneiras mais eficazes de prevenir incêndios futuros.
Florestas nativas restauradas com biodiversidade como base criam defesas naturais contra queimadas. Esse "efeito mosaico" envolve o plantio de uma variedade de espécies, criando uma mistura de ecossistemas que interrompe o caminho do fogo. Florestas biodiversas são menos propensas a permitir que as chamas se espalhem uniformemente, tornando-as mais resilientes a incêndios florestais.
Mas os benefícios da biodiversidade vão além da prevenção ao fogo. Esses ecossistemas absorvem até 70% mais carbono, ajudando a mitigar os impactos das mudanças climáticas, fatores que intensificam as temporadas de queimadas de maneira cada vez mais severa. Além disso, florestas biodiversas melhoram a saúde do solo, retêm umidade e reduzem o risco de secas, que frequentemente alimentam as chamas. Em um de nossos projetos na Mata Atlântica, testamos dois métodos: o plantio tradicional, com manutenção e limpeza do solo, e um segundo método, onde cápsulas de sementes foram lançadas por drones sem corte ou tratamento posterior do solo. Queríamos observar a evolução desses ecossistemas a longo prazo. Dois períodos de estiagem logo após o plantio trouxeram resultados surpreendentes: as espécies plantadas usando o novo método se mostraram muito mais resistentes à seca do que aquelas plantadas de forma tradicional. Essa validação em campo confirma o que muitos cientistas, especialmente no Brasil, vêm afirmando há anos.
A estiagem não é o único fator que contribui para os incêndios florestais. Organizações ambientais como o WWF e o Greenpeace concordam que, embora as condições de seca aumentem a extensão atingida pelo fogo, muitos focos são causados por atividades humanas, especialmente queimadas agrícolas ilegais. Em resposta, o governo federal brasileiro lançou investigações sobre potenciais crimes ambientais relacionados aos incêndios.
O governo também destinou R$514 milhões em fundos emergenciais para combater as chamas. No entanto, esses esforços são amplamente reativos, como combater incêndios — abordando crises conforme surgem. O que precisamos é de uma estratégia proativa e de longo prazo que previna as causas profundas desses incêndios. E, sim, estou falando de restauração e conservação florestal.
A pergunta-chave, nesse caso, é: quais alternativas podemos oferecer àqueles que provocam incêndios para limpar terras para exploração? Há dois anos, conheci uma dessas pessoas. Ele passava seus dias explorando e degradando a floresta, mas estava tentando mudar. Atualmente, ele lidera uma rede local de coleta de sementes e provê insumos para o serviço de restauração, incluindo nós em sua lista de clientes. Sua mudança de destruidor a construtor da natureza foi transformadora — para ele e para as pessoas ao seu redor.
De acordo com um estudo de 2023 do Instituto Escolhas, o Brasil precisa investir R$ 228 bilhões para restaurar 12 milhões de hectares de florestas. Os potenciais benefícios são impressionantes: R$ 776 bilhões em receita líquida, 2,5 milhões de novos empregos, 156 milhões de toneladas de alimentos e a remoção de 4,3 bilhões de toneladas de CO2 da atmosfera. Com mais de 35 milhões de hectares de terras severamente degradadas, o Brasil está em uma posição única para liderar os esforços globais de restauração. O estado das florestas brasileiras é uma questão de escolhas individuais, que nos levam a repensar nossos hábitos de consumo. Também é uma questão de escolhas de investimento. No mercado de carbono, por exemplo, um preço mais alto poderia permitir uma compensação mais justa para os trabalhadores que implementam esses projetos no terreno. Por fim, é uma questão de decisões governamentais — tanto locais quanto globais.