Ernesto Martins Faria — Diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede); Bruna Alves Soares — Gerente de pesquisas do Iede
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) publicou, no último dia 7, os resultados das redes de ensino nos indicadores de equidade do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Esses indicadores compõem o Valor Aluno Ano Resultado (VAAR), mecanismo do fundo que direciona recursos às redes de ensino mediante a melhorias na equidade educacional e ao cumprimento de condicionalidades — uma forma do Ministério da Educação (MEC) estimular políticas educacionais que considera essenciais.
A divulgação, ainda que não resolva a sobreposição de olhar para equidade tanto em uma condicionalidade como nos indicadores finais, traz avanços importantes na discussão sobre equidade educacional no Brasil e em relação à primeira aferição do VAAR. Primeiramente, destaca-se a transparência na apresentação dos resultados e o olhar atento para as especificidades existentes em nossas redes de ensino. Os números divulgados foram calculados de acordo com os procedimentos detalhados em nota técnica do Inep assinada por Teresa Alves, Clarissa Guimarães e Adriano Senkevics. Mas, afinal, quais foram esses avanços?
Um ponto crucial foi a atenção do Inep às particularidades demográficas do país, marcado por redes de ensino com poucos estudantes. Como criar índices para redes que possuem apenas 40, 30 ou até menos de 20 alunos? E como identificar os mais vulneráveis dentro dessas redes? Em uma rede com 20 alunos, por exemplo, os 25% de menor nível socioeconômico equivaleriam a apenas cinco estudantes. Faz sentido direcionar recursos com base em resultados quantitativos de grupos tão pequenos?
A equipe do Inep abordou essa questão de três maneiras. Primeiro, sendo flexível na definição de quem seriam os estudantes vulneráveis: "O grupo de baixo nível socioeconômico, por sua vez, é formado pelo quantil inferior da distribuição do escore individual de nível socioeconômico dentro de cada ente subnacional. Isto é, poderá ser o 1º quarto, o 1º terço ou a mediana inferior da distribuição, a depender do tamanho da população discente. Por exemplo, em redes municipais com 20 estudantes, será adotada a mediana, pois o grupo de baixo nível socioeconômico tem que ter, no mínimo, 10 estudantes para o cálculo das proporções."
O segundo procedimento foi deixar claro que, quando essa quantidade de alunos, ainda assim, não for atingida, o indicador não será considerado. Por fim, foram criadas margens de erro para as estimativas, de forma a evitar que redes de ensino sejam penalizadas por pequenas variações. Por exemplo: em redes menores, a entrada ou a saída de um único aluno pode gerar alterações significativas nos indicadores, já nas redes maiores, essa diferença seria quase imperceptível.
O VAAR também traz reflexões importantes sobre o conceito de equidade. Na condicionalidade III, há um trecho que diz: "Nesta proposta metodológica, considera-se que a redução das desigualdades educacionais de aprendizagem será alcançada mediante um processo de recuperação e reforço das aprendizagens dos estudantes em vulnerabilidade, de forma que consigam melhorar os seus resultados educacionais e alcançar, no mínimo, um desempenho qualificado como adequado para o seu estágio de escolarização". Ao contrário de outras propostas de índices, essa condicionalidade não utiliza comparações entre grupos ou medidas de dispersão dos resultados. Embora possam existir críticas à proposição, é razoável considerar que ela pontua o essencial: assegurar que os estudantes em condição de vulnerabilidade avancem de forma a alcançar aprendizagens significativas para suas vidas.
Por outro lado, surge uma nova questão: o quanto é preciso avançar para que exista, de fato, um progresso na redução das desigualdades? Sabemos que a resposta para essa pergunta não é simples, mas é fundamental que ela seja debatida, especialmente considerando os diferentes estímulos gerados para as redes. Afinal, garantir o direito à educação para todos exige a construção de metas que vão além de manter ou apresentar qualquer percentual de crescimento.
Tanto essas reflexões quanto os avanços do VAAR podem e devem servir de inspiração para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), cuja necessidade de revisão já discutimos neste espaço. Considerar crianças e jovens que estão fora da escola, evidenciar desigualdades e contribuir mais para a promoção da equidade são avanços essenciais para o indicador mais utilizado no país. Para além das questões conceituais, o VAAR ainda mostra a importância da atenção aos detalhes de implementação. Há muita responsabilidade envolvida quando indicadores influenciam o recebimento de recursos ou são utilizados em políticas de monitoramento e responsabilização. Assim como o VAAR avançou conceitualmente e tecnicamente, nossa esperança é que o Ideb também se desenvolva à luz das necessidades atuais e dos aprendizados desses 17 anos de uso do índice.
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