Opinião

Visão do Correio: Limite climático exige melhores respostas

É suicida aceitar que fenômenos como seca extrema, ondas de calor intenso e incêndios de grandes proporções farão invariavelmente parte do cotidiano das cidades, demandando a resiliência de seus moradores para se adaptarem aos novos tempos

Brasas voam enquanto veículos e propriedades são queimados durante o incêndio em Eaton em Pasadena, Califórnia, em 8 de janeiro de 2025 -  (crédito: JOSH EDELSON / AFP)
Brasas voam enquanto veículos e propriedades são queimados durante o incêndio em Eaton em Pasadena, Califórnia, em 8 de janeiro de 2025 - (crédito: JOSH EDELSON / AFP)

Impulsionada pelo Globo de Ouro, Fernanda Torres tinha uma série de compromissos em Los Angeles, na última semana, para pavimentar o caminho de Ainda estou aqui rumo ao Oscar. A Califórnia, porém, arde em chamas desde terça-feira, comprometendo a rotina da icônica cidade norte-americana. Fernanda saiu de cena para se proteger de "uma tempestade de fogo histórica e perfeita", resultado da combinação sem precedentes de incêndios florestais, ventos fortes, seca extensa, pouco controle e múltiplos focos. Mas o enredo é muito mais dramático: o desafio de lidar com os recordes climáticos se espalha pelo planeta junto com a perigosa sensação de que se configura um "novo normal" a partir da recorrência dos fenômenos extremos.

Relatórios divulgados nos últimos dias por diferentes centros de estudo climático confirmam a gravidade da situação. Como esperado, 2024 foi o ano mais quente da história, mas também o primeiro em que se ultrapassou o teto de aumento de temperatura de 1,5ºC, em relação a níveis pré-industriais, definido no Acordo de Paris, em 2015. O limite foi estabelecido, à época, para 2100. Porém, em três quartos dos dias de 2024, a média registrada pelos termômetros ultrapassou o combinado, segundo o observatório Copernicus, da União Europeia.

O Brasil fechou o ano passado com um aquecimento médio de 1,8ºC, conforme o Berkeley Earth. O centro climático estadunidense também calcula que 40% da população mundial, o equivalente a 3,3 bilhões de pessoas, enfrentou calor recorde nos últimos 12 meses — o número de atingidos é mais um inédito. Na avaliação da Organização das Nações Unidas, o compilado de dados prova "que o aquecimento global é um fato incontestável". Irrefutável, mas não definitivo.

É suicida aceitar que fenômenos como seca extrema, ondas de calor intenso e incêndios de grandes proporções farão invariavelmente parte do cotidiano das cidades, demandando a resiliência de seus moradores para se adaptarem aos novos tempos. Ultrapassar o teto estipulado em Paris não pode ser entendido como o fim do acordo ou da esperança de que é viável estabelecer uma relação sustentável com o planeta.

Ao Correio, Ernesto Rodríguez Camino, meteorologista da Associação Meteorológica da Espanha, ressaltou que o mais importante é evitar que os números recordes se tornem "uma nova norma de longo prazo", o que demanda a adoção de outras medidas para limitar as emissões de gases de efeito estufa, já que as atuais são "claramente insuficientes". Não à toa, espera-se que os países cheguem à próxima Conferência do Clima com as metas climáticas revistas e mais ambiciosas.

Nesse sentido, fará diferença a postura adotada pelo Brasil nas próximas mesas de negociação climática. O país é sede da COP30, em novembro, e preside, neste ano, o Brics, grupo com integrantes que estão entre os maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo, como China, Rússia e Índia. A volta de Donald Trump, adepto do negacionismo climático, à presidência dos Estados Unidos, deixa a agenda ainda mais desafiadora. Com tantos conflitos de interesse e a comprovada trajetória acelerada de aquecimento, é plausível esperar que 2025 não fuja da curva e também registre os seus recordes. Mas que seja em um momento de redefinição de rota. A barreira da sobrevivência ainda não foi definitivamente ultrapassada.

Correio Braziliense
postado em 12/01/2025 06:00
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