Opinião

Visão do Correio: Crise com Venezuela deve se agravar

Não faltam fatos que corroboram a fraude e o caráter ditatorial do governo Maduro. Condição pode tensionar a atual estratégia brasileira de mais relação técnica e menos engajamento político

Fronteira da Venezuela com o Brasil foi fechada na manhã desta sexta-feira (10/1) por determinação do presidente Nicolás Maduro  -  (crédito: Divulgação Polícia Militar de Roraima )
Fronteira da Venezuela com o Brasil foi fechada na manhã desta sexta-feira (10/1) por determinação do presidente Nicolás Maduro - (crédito: Divulgação Polícia Militar de Roraima )

A posse de Nicolás Maduro para mais um mandato presidencial escancara o caráter ditatorial do regime bolivariano da Venezuela. Sua posse ocorreu ontem, na Assembleia Nacional em Caracas, sob a presidência do deputado chavista Jorge Rodríguez, após um processo eleitoral sem transparência, autoritário e violento, marcado pela fraude mais grosseira: sumiram com as atas originais das seções eleitorais. Maduro não dispõe de provas de que venceu o pleito. Pelo contrário, quem tem essas provas é o candidato de oposição, Edmundo González Urrutia.

A posição conseguiu reunir 80% das atas das seções eleitorais, nas quais Urrutia obteve ampla maioria de votos. Não por acaso, a posse de Maduro teve baixa adesão de chefes de Estado — entre os quais, Daniel Ortega, que também se tornou um ditador na Nicarágua. Cada vez mais distante de Maduro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nem foi convidado para a posse, mas foi representado pela embaixadora brasileira no país vizinho, Gilvânia Maria de Oliveira.

O contencioso entre Lula e Maduro agravou-se após o veto brasileiro à entrada da Venezuela no Brics, grupo de países emergentes liderado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que hoje reúne também Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. Em outubro, no encontro de Kazan, na Rússia, tornaram-se parceiros do bloco outras 13 nações. A Venezuela ficou de fora. 

Maduro ainda não se conforma com isso. Ontem, ao tomar posse, disse que "a Venezuela já é do Brics desde que Bolívar triunfou em Junín", referência à batalha vencida pelo herói da independência da América espanhola. Mais tarde, fechou as fronteiras do país com o Brasil. 

Lula não reconhece a vitória de Maduro até hoje, porque isso foi condicionado à apresentação das atas da eleição. Por razões comerciais, humanitárias e diplomáticas,  não pretende romper relações diplomáticas com os vizinhos, ainda que sob fortes críticas. A tradição da política externa brasileira é de não interferência em assuntos internos de outros países. Entretanto, o reconhecimento pelo PT da eleição de Maduro e o apoio oficial ao regime bolivariano criam um enorme constrangimento para Lula, já que colocam em dúvida a centralidade do seu compromisso com a democracia.

Não faltam fatos que corroboram a fraude e o caráter ditatorial do governo Maduro. No início de 2024, as autoridades eleitorais barraram a candidatura de María Corina Machado, principal líder da oposição que, num gesto de grande coragem, deixou a clandestinidade depois de cinco meses e foi às ruas, na última quinta, para participar de uma manifestação contra Maduro. Ela relata que, ao deixar o protesto, foi sequestrada por elementos encapuzados, agredida e, depois, libertada.

Ontem, Corina divulgou um vídeo relatando a violência que sofreu, contestada pelo governo, e convocando a oposição a não esmorecer. Disse ainda que Edmundo González, exilado desde setembro, voltará à Venezuela para tomar posse como presidente constitucional "quando as condições forem adequadas". Ainda segundo a opositora, o fato de ela ter sido sequestrada e, depois, libertada revela profundas divisões no governo Maduro. Por tudo isso, a crise venezuelana deve se agravar, podendo tensionar a atual estratégia brasileira de mais relação técnica e menos engajamento político.

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postado em 11/01/2025 06:00
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