Cultura

Brasil: uma potência cinematográfica em ascensão

Ao mesmo tempo em que o Brasil, historicamente se sente isolado, é também o maior laboratório genético humano do mundo, resultado da confluência de povos de todos os continentes

A mobilização do público brasileiro em torno de 'Ainda estou aqui' assemelha-se à de uma final de Copa do Mundo -  (crédito: Maurenilson Freire)
A mobilização do público brasileiro em torno de 'Ainda estou aqui' assemelha-se à de uma final de Copa do Mundo - (crédito: Maurenilson Freire)

RENATO BARBIERI — Cineasta, diretor de Tesouro Natterer, Pureza, Atlântico Negro — na Rota dos Orixás e A invenção de Brasília

O Brasil se destaca como uma terra de gigantes e uma potência cinematográfica. Essa afirmação, que poderia soar como ufanismo, ganha substância com a impressionante vitória de Fernanda Torres como melhor atriz no Globo de Ouro 2025. Conhecida carinhosamente como Nanda, a atriz desafiou as expectativas ao competir com ícones do cinema mundial, como Tilda Swinton, Angelina Jolie, Nicole Kidman e Kate Winslet. Em Ainda estou aqui, sob a direção magistral de Walter Salles, sua atuação como Eunice Paiva é marcada por uma sobriedade impactante e uma estética minimalista, reafirmando a máxima de que "em cinema, menos é mais".

A mobilização do público brasileiro em torno de Ainda estou aqui assemelha-se à de uma final de Copa do Mundo. Com a lista dos cinco finalistas ao Oscar 2025 a ser divulgada em 17 de janeiro, o filme se destaca como um fortíssimo candidato nas categorias de Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz. A conquista do Globo de Ouro por Fernanda Torres certamente eleva nossas chances, uma vez que esse prêmio é tradicionalmente um termômetro para o Oscar. Aproveitar esse momento de euforia nacional é crucial para refletirmos sobre o significado do reconhecimento internacional que o Brasil tem conquistado, não apenas em eventos esportivos, mas também nas artes.

Neste cenário, é oportuno reavaliar o que chamamos de "complexo de vira-lata", uma expressão que nos acomete há séculos, simbolizando um sentimento de inferioridade em relação ao exterior. Fernanda Torres, essa atriz e intelectual gigante, em suas reflexões sobre o tema, nos diz: "O Brasil é uma ilha continental e a gente é isolado pela nossa língua. Somos um país complexo de 200 milhões de pessoas que está longe de ser periférico, ao mesmo tempo em que temos esse complexo de vira-lata por essa não comunicação com o mundo. E por outro lado, o Brasil tem pena do mundo não saber do que a gente sabe. Quando alguém fura a fronteira e leva algo que nos é pessoal pra fora, surge esse sentimento de 'olha o que a gente tem de rico'."

Ao mesmo tempo em que o Brasil, historicamente se sente isolado, é também o maior laboratório genético humano do mundo, resultado da confluência de povos de todos os continentes. Essa diversidade nos coloca em uma posição privilegiada para dialogar com o mundo, talvez mais do que o próprio cinema norte-americano. A rica mistura cultural que corre em nossas veias é uma vantagem competitiva que o Brasil deve investir. É fundamental que o Ministério da Cultura (MinC) e a Agência Nacional do Cinema (Ancine) unam esforços para criar uma indústria cultural brasileira voltada para o mundo.

Ainda estou aqui, que aborda a tragédia da família Paiva durante os anos de chumbo da ditadura civil-militar, é o filme brasileiro mais assistido nos cinemas pós-pandemia, superando até as tradicionais comédias de sucesso. Isso indica uma mudança nas preferências do público, que parece buscar um mix de conteúdo que une informação, arte e entretenimento. Na Era do Antropoceno, em meio a uma crescente distopia, a busca por arte e informação de qualidade não é apenas uma questão de gosto, mas uma estratégia de sobrevivência em tempos difíceis.

Esse novo panorama exige que os criadores e instituições culturais brasileiras provoquem reflexões profundas sobre os desafios que enfrentamos. O cinema e a arte, portanto, devem assumir um papel central na construção de um futuro no qual a diversidade cultural, o biocentrismo e a comunicação com o mundo sejam prioridades. O momento é propício para que o Brasil se reafirme no cenário internacional, mostrando ao mundo suas riquezas e complexidades e estabelecendo-se como um protagonista na narrativa global.

Nesse contexto, a vitória de Fernanda Torres não é apenas uma conquista individual, mas um símbolo do potencial criativo e da resiliência de um país que, apesar de suas dificuldades, continua a produzir arte de relevância e profundidade. Que essa onda de reconhecimento sirva de impulso para que o Brasil não apenas consuma cultura, mas a crie e a compartilhe, ampliando as fronteiras da comunicação e da compreensão mútua. O futuro do cinema brasileiro depende de nossa capacidade de nos comunicar com o mundo, e essa é uma tarefa que devemos abraçar com entusiasmo e determinação. 

Correio Braziliense
postado em 12/01/2025 06:00
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