Um dos últimos filmes a que assisti no ano que passou conta a história de um dos grandes líderes latino-americanos dos tempos recentes. Os sonhos de Pepe é o primeiro longa de uma trilogia que acompanha o ex-presidente do Uruguai em viagens mundo afora, dos Estados Unidos ao Japão, em meio a passagens por cidades europeias, com uma importante reflexão em quase uma hora e meia de documentário: qual é o nosso papel na sociedade?
Ao mesmo tempo em que tem uma fotografia exagerada, com plano e edição de imagens que desagradam a muitos espectadores e sem uma trilha sonora marcante, o filme traz a visão de mundo ideal para Pepe Mujica, torturado pela ditadura uruguaia e que nunca desistiu da democracia. "Eu não traí todos os meus sonhos de menino", diz ele, ao falar sobre a sua trajetória.
Sem rodeios, Mujica expõe o que pensa sobre governantes e feitos realizados no poder. Em relação ao ex-presidente norte-americano Barack Obama, o primeiro negro a comandar a nação mais rica do mundo, é direto: "Um bom homem, boa cabeça, melhor do que governo que fez".
Em meio ao sonho do que considera um mundo ideal, Mujica também aborda a forma como a classe política se comporta em relação ao restante da sociedade. Em linhas gerais, defende que a democracia prega a igualdade, mas perde sentido quando os eleitos vivem em um padrão de vida incompatível com a realidade da maioria. "É hipocrisia governar em nome do povo e, ao mesmo tempo, viver em um mundo de privilégios."
Ontem, Mujica anunciou que o câncer que enfrenta desde abril está em estágio avançado pelo corpo. Começou no esôfago e avançou para o fígado. Aos 89 anos, decidiu que não vai adotar novos tratamentos e que vai apenas se dedicar à fazenda que tem, nos arredores de Montevidéu, nessa etapa final. "A vida é uma bela aventura e um milagre. Estamos muito focados na riqueza e não na felicidade. Estamos focados apenas em fazer as coisas e, antes que você perceba, a vida já passou", disse, em entrevista.
"O que eu quero é me despedir dos meus compatriotas. É fácil ter respeito por aqueles que pensam como você, mas você tem que aprender que a base da democracia é o respeito por aqueles que pensam diferente", acredita o ex-presidente do país vizinho.
A mensagem de Pepe Mujica, com certeza, não vale apenas para os uruguaios. É um alerta para o mundo e, principalmente, a todos os brasileiros. Chega de intolerância. O radicalismo não nos leva a lugar algum.