Rose May Carneiro*
Sou fã de carteirinha da Fernanda Torres. A considero uma tremenda mulher! Não a conheço pessoalmente, mas parece que a gente é amiga há séculos. Adoro o jeito dela. Parece com aquelas amigas que, só de olhar para elas, já levanta o astral. Daquelas que a gente tem vontade de ligar e dizer: "Bora tomar um chope, ali na mureta da Urca?" (fica a dica...rs).
Lembra-me umas amigas encapetadas que tive na adolescência, quando morei em Niterói. Uma, certa vez, me colocou dentro de um carrinho de supermercado e rodou, há mil por hora, pelos corredores. Já a outra, na aula de música, sob a batuta e o olhar de uma professora superconservadora, tínhamos que fazer um trabalho sobre Haendel, na "hora h" da apresentação, soltou um Hendrix, em alto e bom som, no gravador.
Fernanda me parece ser uma dessas. Tem um olhar que alterna entre o lânguido e o vivaz. Ela imprime simpatia, confiança, inteligência, bom humor ("cara de pau") e muita entrega. É o que chamamos de uma atriz versátil. Afinal, transita, com a mesma desenvoltura, entre os dramas do cotidiano e as comédias da vida privada. Nos comove na mesma intensidade que faz doer a barriga de tanto rir. É mestre na arte de viver um papel, seja no teatro, na TV, na literatura, no cinema ou sendo ela mesma, na "vida real". É o verdadeiro protótipo da mulher brasileira bem resolvida.
Imagino o prazer que muitos diretores tiveram ao trabalhar com ela. Ao vasculhar, por agora, o meu HD mental, me lembrei, inclusive, de algumas entrevistas que concedeu e de algumas cenas antológicas.
Certa vez, em uma entrevista no programa Roda Viva (TV Cultura, 1992), lembro dela, aos 27 anos, falando o quanto deixou a sua mãe, Fernanda Montenegro (uma das nossas divas da dramaturgia), perplexa ao falar sobre os seus casamentos. Fernandona perguntou quantos seriam, já que ela tinha se separado do segundo marido, e ela abriu um sorrisão, deixou a cabeça cair para trás e disse: "Sei lá!".
Certa vez, dentro de uma piscina vazia, junto com o Thales Pan Chacon, segurando um polvo, no filme Eu sei que vou te amar (1986, Arnaldo Jabor), enquanto falavam de maneira poética sobre dores e amores.
Em Os normais (2001 a 2003, Fernanda Young e Alexandre Machado), fez um par perfeito na sintonia e na loucura, junto com o seu amigo e ator Luiz Fernando Guimarães. Lembro dela vestida com uma camisola vinho, pulando em cima da cama, enquanto batia em um balde laranja, com uma escova de cabelo, feito um bumbo, e, ao mesmo tempo, gritava e repetia feito um mantra: "Hoje eu acordei e eu vou transar!".
No teatro, eu ainda era estudante de cinema e tive o prazer de vê-la contracenando no palco, pela primeira vez, junto com a sua mãe na peça performática The flash and the crash days (Tempestade e fúria, Gerald Thomas, 1991). Ali, já dava para ver o quanto essas duas merecem um Oscar.
Minha mãe sempre dizia: "Filha de peixe, peixinho é". Fernandinha bebeu o leite da dramaturgia na fonte. Como ela mesma disse, em um programa de TV, se considera filha de dois loucos: uma louca apolínea (sua mãe, Fernanda Montenegro) e um louco dionisíaco (seu pai, Fernando Torres).
E toda essa loucura, bem trabalhada, deu nisso. É bonito ver a aula de atuação que ela nos dá, quase que sem querer, quando dialoga com Eduardo Coutinho (Jogo de cena, 2007). Ao dizer que estava envergonhada, ali, na frente dele e de toda a responsabilidade de interpretar "uma personagem real".
Construir personagens e imaginários é o seu forte. Assim como também nos fez mergulhar nas picardias dos cinco amigos cariocas, repletos de humanidade, em seu romance de estreia, intitulado Fim (2013).
Mas tudo isso é só o começo. Ontem à noite, aqui em Brasília, Fernanda Torres fez muita gente gritar de orgulho nas janelas. Afinal, a sua interpretação contida e magistral no papel de Eunice Paiva, mais uma vez em um filme do Walter Salles (Ainda estou aqui, 2024), voltou a lotar as salas de cinema (até agora, 3 milhões de espectadores) e a encantar 216 milhões de brasileiros.
Corta para dentro do Beverly Hilton Hotel (Los Angeles). Lá estava ela, toda diva e sexy, sem ser vulgar, com um vestido preto, sentada ao lado da Angelina Jolie, Nicole Kidman, Tilda Swinton (sua atriz predileta, por sinal), Kate Winslet e Pamela Anderson. Viola Davis abriu o envelope e conclamou: o Globo de Ouro de melhor atriz dramática vai para Fernanda Torres! Subiu ao palco, quase sem acreditar, e dedicou o prêmio à sua mãe, que esteve ali, há 25 anos, com o filme Central do Brasil (1999). É, Nanda, o mundo dá voltas! Que história linda! Por aqui, deixo o meu encantamento e o nosso muito obrigada. O cinema brasileiro, a arte e a cultura agradecem, de corpo, alma e coração.
*Professora de cinema/audiovisual da Universidade de Brasília (UnB)
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