Opinião

Parlamentares extrativistas

À intenção do governo de dificultar as remunerações inconstitucionais, os parlamentares responderam com a criação de uma aprovação facilitada — de costas para a Carta Magna e para o povo

Apesar de todas as proibições, o governo incluiu no pacote de gastos uma cláusula, dita restritiva, mas que, na realidade, abria a possibilidade de quebrar as regras acima ao permitir pagamentos acima do teto, desde que aprovados por lei complementar -  (crédito: Maurenilson Freire)
Apesar de todas as proibições, o governo incluiu no pacote de gastos uma cláusula, dita restritiva, mas que, na realidade, abria a possibilidade de quebrar as regras acima ao permitir pagamentos acima do teto, desde que aprovados por lei complementar - (crédito: Maurenilson Freire)

JOSÉ PASTORE — Professor (aposentado) da Universidade  de São Paulo, membro da Academia Paulista de Letras e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP

O leitor deve estar estranhando esse título. Explico. Fiquei espantado com o desfecho final do pacote de corte de gastos recentemente aprovado. O que foi apresentado pelo governo era de baixa potência para reequilibrar as contas públicas. E o que saiu do Congresso Nacional, ficou pior. 

Refiro-me especificamente à proposta de eliminação dos supersalários e demais penduricalhos dos altos funcionários da República, em especial, os do Poder Judiciário, Ministério Público e órgãos fiscalizadores. 

A Constituição Federal é clara ao proibir o pagamento de remuneração, a qualquer título, acima do teto do que ganham os ministros do Supremo Tribunal Federal. Isso é explicitado no artigo 37, inciso XI que, entre outras restrições, diz que "sob qualquer forma de pagamento, a remuneração dos ocupantes de cargos da administração direta, autárquica e fundacional, nos três níveis de governo, não pode exceder o subsídio mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal".  

Para completar, o artigo 39, § 4º é ainda mais claro ao "vedar o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória". Isso significa que os repasses de verbas além do referido teto são ilegais, o que inclui, evidentemente, os penduricalhos. 

Pois bem. Apesar de todas essas proibições, o governo incluiu no pacote de gastos uma cláusula, dita restritiva, mas que, na realidade, abria a possibilidade de quebrar as regras acima ao permitir pagamentos acima do teto, desde que aprovados por lei complementar, que exige maioria absoluta de votos do Congresso Nacional. 

Os parlamentares tiveram o atrevimento de afrouxar ainda mais a indevida concessão, ao estabelecer que pagamentos adicionais aos servidores do alto escalão da República podem ser autorizados por lei ordinária, que é de aprovação mais fácil, com maioria simples. 

Ou seja, à intenção do governo de dificultar as remunerações inconstitucionais, os parlamentares responderam com a criação de uma aprovação facilitada — de costas para a Carta Magna e para o povo. Como diz José Paulo Cavalcanti Filho, "a Constituição, que nos países maduros é uma Lei Maior, referência e obrigação para todos, no Brasil virou enfeite" ("Até quando?", O Globo, 17/2/2024). É isso mesmo, pois, os que hoje recebem somas altíssimas, continuarão recebendo como se fossem "privilégios adquiridos".  

A conduta dos nossos parlamentares ilustra bem a razão de o Brasil não avançar e crescer. Temos instituições fracas, ardilosas e deturpadoras. Essa é a tese dos economistas Daron Acemoglu e James A. Johnson que ganharam o Prêmio Nobel em 2024 ao escreverem o best seller Por que as nações fracassam (Editora Elsevier, 2012).

Com base em uma bem fundamentada análise histórica, Acemoglu e Jonhson demonstram que inúmeras nações tiveram o progresso bloqueado pelo predomínio de "instituições extrativistas" —, referindo-se às decisões dos parlamentos que, para favorecer as minorias dos mais fortes, extraem os recursos dos mais fracos.

Essa análise cabe perfeitamente nesse caso. Os beneficiários das benesses, supersalários e penduricalhos — isentos de Imposto de Renda —, por meio de um lobby eficiente, levaram o Congresso Nacional a aprovar uma fórmula que dá legalidade às regras que extraem do povo brasileiro as facilidades que sustentam os seus privilégios. Essa foi a "contribuição" dos parlamentares extrativistas que, com sua "iluminada" decisão, reforçaram a captura do Estado pelos lobbies poderosos do serviço público.  

É assim que as nações fracassam. Nos últimos 20 anos, a média de crescimento anual do PIB do Brasil ficou em meros 2% — uma marca ridícula e insuficiente para atender as necessidades dos mais vulneráveis. 

Não há dúvida. Instituições de boa qualidade são cruciais para o crescimento econômico e o progresso social.  Instituições de má qualidade fazem o contrário. Na decisão tomada pelos nobres parlamentares, deu-se um verdadeiro tapa na cara dos brasileiros que têm de trabalhar, viver e sustentar suas famílias com o "generoso" salário mínimo de R$ 1.518,00 que os mesmos parlamentares aprovaram para 2025. 

Correio Braziliense
postado em 03/01/2025 06:00
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