A preocupação com a segurança pública não passa de um discurso eleitoral dos governantes, seja para dar ao eleitor a impressão de que o combate à criminalidade é uma prioridade na gestão pública, seja para acenar às corporações do setor, reforçando-lhes quase sempre os vícios e as virtudes cada vez mais escassas. Entende-se isso ao observar a discussão em torno do decreto do governo federal sobre o uso da força em operações policiais. Governadores de oposição acusam o Ministério da Justiça e o Palácio do Planalto de interferirem nas políticas de segurança dos estados.
Mas esse aparato está funcionando tão bem assim a ponto de rechaçarem completamente os termos do decreto? Ou o que está falando mais alto são os interesses políticos — uma vez que essas corporações têm capilaridade eleitoral e interesses a defender nos Poderes Legislativo e Executivo? O noticiário de poucas semanas atrás trouxe uma sequência de ações brutais da Polícia Militar de São Paulo — em uma delas, uma idosa foi agredida dentro da própria casa e, noutra, um homem foi jogado em um córrego, de cima de uma ponte.
Da mesma forma, as operações policiais no Rio de Janeiro estão longe de serem exemplos de eficiência. Primeiramente, porque, não raro, tornam-se chacinas. Em segundo, porque apesar de tamanha violência, não impediram o avanço do tráfico nem o surgimento das milícias. E, em terceiro, porque sucedem-se os registros nos quais suspeitos são detidos apenas por causa da cor da pele — ou seja, exercícios explícitos de racismo.
Ações brutais, porém, não são exclusividade de unidades da Federação governadas pela oposição. Mas, na atual discussão, há uma grande diferença em relação às anteriores: os governadores do Consórcio Nordeste deram apoio à iniciativa federal, da mesma forma que ex-ministros da Justiça se manifestaram favoravelmente a ela. Isso representa que o decreto, se não tem os predicados necessários para conter a violência nem intimidar as facções criminosas, ao menos chama a atenção para o fato de que muita gente tem morrido porque as forças de segurança perderam a capacidade de diferenciar o bandido do cidadão — sobretudo aquele que vive nas comunidades mais pobres — e não são exemplos de profissionalismo — a contaminação politiqueira que as assola confirma isso.
O decreto do governo federal não tem a arrogância de ser definitivo. Mas abre uma boa e necessária discussão, infelizmente contaminada por interesses eleitorais. Segurança pública é um tema que pertence à sociedade e cabe a ela como um todo discutir — cada ator expõe seu ponto de vista, todos em busca de um consenso. A captura por nichos ideológicos amesquinha um assunto de imensa relevância. E afasta as soluções inteligentes.