LUIZ AFONSO DOS SANTOS SENNA — Engenheiro civil, professor titular da UFRGS, foi diretor da ANTT. PhD, MSc em transportes, secretário de Transportes de Porto Alegre e conselheiro-presidente da AGERGS.
O transporte rodoviário interestadual de passageiros é crucial para a integração territorial e para o desenvolvimento econômico do Brasil. Contudo, o setor enfrenta o risco da proliferação do transporte alternativo, que compete de forma desleal, ameaça a sustentabilidade econômico-financeira das empresas reguladas e a segurança dos passageiros.
Os serviços alternativos prometem preços menores e maior conveniência, porém o fazem a partir do não cumprimento de normas estabelecidas. A ausência de regulação esconde riscos, como ignorar as exigências rigorosas de segurança e de manutenção, expondo os passageiros a acidentes. Os preços "atrativos" não consideram tributos, leis trabalhistas, salários adequados e investimentos em qualidade e segurança.
O transporte rodoviário regular está submetido a um marco regulatório com exigências de segurança, manutenção da frota e direitos trabalhistas. Existem exigências rigorosas, sobretudo, de salvaguarda da vida humana e de qualidade. O setor tem uma base econômica robusta, respaldada por conceitos de economia de escala, escopo e integridade da rede, e obedece a leis, decretos e resoluções que pormenorizam a prestação do serviço.
A concorrência predatória dos alternativos pode decorrer da prática não sustentável de dumping (preços artificialmente baixos), que reduz a demanda e desestabiliza a equação econômico-financeira das empresas reguladas. Esse ciclo pode colapsar o setor regulado, deixando passageiros vulneráveis a serviços de menor qualidade e maior risco.
Exemplos internacionais mostram os perigos da convivência entre operadores regulados e não regulados. Em 2013, a Alemanha liberalizou o transporte rodoviário de longa distância. Depois de dominar o mercado, uma única empresa passou a ser responsável por uma frota de mil ônibus, dirigidos por 5 mil motoristas. A empresa não é proprietária dos veículos, subcontrata os condutores e não tem responsabilidade com o descanso dos profissionais, ou até mesmo das manutenções obrigatórias para a garantia da segurança das viagens. No início, os resultados pareciam promissores, com aumento da concorrência e preços menores. Contudo, em alguns anos, uma única empresa monopolizou o mercado (92,6%). Resultado: aumento das tarifas, deterioração da qualidade do serviço, reclamações de clientes por atrasos, viagens canceladas e overbookings. As precárias relações trabalhistas e o não recolhimento de tributos também são questões relevantes, que mascaram a real eficiência, além de caracterizar concorrência desleal.
Não há sentido econômico em serviços concorrentes em serviços de utilidade pública. A experiência alemã evidencia os danos causados por empresas não reguladas em mercados regulados. O mercado regulado precisa ser preservado.
É extremamente importante enfatizar que a regulação não é entrave, mas garantia de segurança, qualidade e eficiência. Ignorar os riscos representados pelos serviços alternativos pode levar ao colapso de um setor essencial, colocando em perigo muitas vidas e a economia de diversas regiões.
O Brasil tem o dever de aprender com a experiência internacional e estar muito atento para não incorrer nos mesmos erros e sofrer as mesmas consequências que Alemanha e outros países da União Europeia sentiram com a expansão do serviço não regulado, que além de predatória coloca muitas vidas em risco.
É essencial que exista planejamento e coordenação pelo Poder Público. Quaisquer alterações no mercado, como a possibilidade de novos entrantes, devem ser analisadas pela autoridade pública à luz da eficiência global da rede, uma vez que afetam o sistema regulado. Empresas que operam sem regulação e praticam preços insustentáveis provocam desequilíbrio da equação econômico-financeira dos serviços regulados. Ao não remuneram a totalidade dos custos incorridos, sonegarem impostos e descumprirem normas trabalhistas, praticam dumping e causam danos irreparáveis ao sistema e aos passageiros.
A sustentabilidade econômica ao longo do tempo e os níveis elevados de segurança só serão possíveis com empresas operando sob regulação sólida e fiscalização rigorosa. A convivência entre regulados e não regulados não é uma solução; é uma ameaça ao setor e aos passageiros.