JOÃO CARLOS SOUTO — Professor de direito constitucional, doutor em direito (Summa Cum Laude, CEUB), procurador da Fazenda Nacional e escritor
Jimmy Carter, 39º presidente dos Estados Unidos, faleceu domingo último no Estado da Geórgia, aos 100 anos de idade. James Earl Carter Jr. foi um homem do sul dos Estados Unidos, daquilo que os livros de história e de política costumam definir como o “Sul profundo”, ou seja, aqueles Estados que se rebelaram contra o norte do país com o intuito de evitar a abolição da escravatura, embora nem todos os Estados confederados estejam no Sul profundo, a exemplo da Virgínia.
Nascido e criado na Geórgia, num lar sem luz elétrica e água encanada, Carter era filho de um comerciante e também médio agricultor. A mãe, Bessie Lillian Carter, era enfermeira e escreveu dois livros durante a presidência do filho. Carter recebeu do pai, ainda na juventude, um pedaço de terra, como antecipação da herança, nela plantou amendoim. Cursou a Academia Naval e serviu à Marinha logo após a Segunda Guerra Mundial. Posteriormente graduou-se em tecnologia de reatores e física nuclear, tendo servido no submarino nuclear, Seawolf.
Religioso, disse, em entrevista à CNN, que a derrota para o governo do Estado da Geórgia abalou sua fé, mas que sua irmã o convenceu a continuar com a religião. Mais tarde elegeu-se governador do seu Estado e, dois anos depois de concluído o mandato, conquistou a Casa Branca, derrotando o presidente Gerald Ford, que havia sido vice-presidente de Richard Nixon.
Sua presidência (1977/1981) caracterizou-se pelo respeito aos direitos humanos e aos valores democráticos, dentro e fora dos Estados Unidos. Pressionou a ditadura militar brasileira pela abertura democrática, que viria a ocorrer quatro anos depois do término do seu mandato, e o fez justamente num momento (década de 1970) em que a repressão aumentara. No segundo dia do seu mandato perdoou todos os que se recusaram a servir na guerra do Vietnã, medida polêmica, especialmente em um país que se envolve em conflitos bélicos com certa frequência. Criou o ministério da Educação e o da Energia.
Costurou, pessoalmente, o acordo de paz entre Israel e o Egito, assinado em Washington pelo então primeiro-ministro Menachem Begin e pelo presidente Anwar Sadat, respectivamente. O Acordo de “Camp David”, como ficou conhecido, mantém a paz entre os dois países até os dias atuais.
Ainda no campo dos direitos humanos, Carter nomeou um número recorde de mulheres para o judiciário federal, prerrogativa que, nos Estados Unidos, toca ao presidente da República, com a aprovação do Senado. Entre elas indicou para a Corte Federal de Apelação do Distrito de Colúmbia uma que chegaria à Suprema Corte (indicada por Clinton) e se tornaria um ícone do Judiciário e de certo modo da cultura pop americana, Ruth Bader Ginsburg, que dispensa apresentações.
Dois registros finais sobre sua presidência: a devolução do Canal do Panamá, motivo de enorme polêmica em razão dos desdobramentos geopolíticos e econômicos envolvidos. Por fim, a invasão da embaixada dos Estados Unidos por estudantes iranianos, em 1979, que se estendeu até o fim de sua presidência. Ann Compton, correspondente na Casa Branca da rede de TV ABC, durante os anos Carter, disse ontem que ele aguardou no salão oval da Casa Branca até o último minuto de seu mandato, aguardando por um desfecho positivo, que só viria alguns dias depois, na presidência de Ronald Reagan.
Dizem que Carter foi o melhor ex-presidente da história dos Estados Unidos e há uma certa unanimidade em torno disso. Construiu habitações, ele próprio como marceneiro; foi à África (com ou sem sua esposa, Rosalyn) várias vezes distribuir vacinas e promover medidas sanitárias. Fundou o Carter Center (entidade que contribui durante aproximadamente três anos) e ganhou o prêmio Nobel da Paz em 2002. Jimmy Carter, o homem que viveu 100 anos e que procurou fazer o bem.