Meio ambiente

Setor de resíduos fora do mercado 

A decisão do Congresso Nacional é muito importante por reconhecer e valorizar o papel desempenhado por uma atividade econômica que é, justamente, o oposto daquelas que devem ser alvo da regulamentação

 PEDRO MARANHÃO — Presidente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema)

O mês de dezembro foi histórico para as políticas ambientais do Brasil. No dia 12, o presidente Lula sancionou a Lei nº 15.042, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Na prática, o Brasil passa a contar com um mercado regulado de créditos de carbono que estabelece limites para a emissão dos gases causadores das mudanças climáticas.

O setor de gerenciamento de resíduos sólidos, por ter sido reconhecido seu papel de mitigador de emissões, não fará parte do mercado regulado. Essa decisão do Congresso Nacional é muito importante por reconhecer e valorizar o papel desempenhado por uma atividade econômica que é, justamente, o oposto daquelas que devem ser alvo da regulamentação. 

Aterros sanitários devidamente operados recebem um passivo ambiental e o transformam em um ativo energético e econômico. O metano, gás gerado na decomposição dos resíduos orgânicos e que é até 28 vezes mais poluente que o CO2, é coletado e usado na geração de energia elétrica ou como combustível limpos e renovável. Um serviço de coleta e destinação eficiente de resíduos urbanos evita que milhões de metros cúbicos de gás carbônico, metano e outros gases poluentes sejam lançados na atmosfera.

Por isso, realmente não fazia sentido que um setor com essa prestação de serviço ambiental fosse enquadrado em regras rígidas de redução de emissões. Sua inclusão acabaria por estimular a proliferação de pequenos aterros que se enquadrariam dentro dos limites de emissões de referência estabelecidos. Essas instalações, por serem menores, inviabilizam a exploração do biometano e demandam maiores investimentos por tonelada aterrada. Com vida útil menor, vários deles, com o tempo, poderiam se transformar em lixões. Ou seja, o resultado poderia ser o oposto do desejado.

O sistema de Comércio de Emissões da União Europeia (EU ETS), modelo que serviu de referência para o recém-criado Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), também não inclui a gestão de resíduos entre os setores regulados. Lá, assim como cá, o foco é as atividades poluentes onerosas para o clima, e não as mitigadoras de emissões. E nunca é tarde para lembrar que os primeiros projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) no mundo, criados no extinto Protocolo de Kyoto para auxiliar o controle do efeito estufa, foram projetos de aterros sanitários.

Porém, mesmo fora na regulação, o gerenciamento de resíduos sólidos permanecerá como um importante ator do mercado voluntário de créditos de carbono, consolidado no Brasil. A comercialização desses créditos entre entes privados é uma ferramenta auxiliar de primeira grandeza para estimular uma economia mais verde no Brasil e no mundo. Setores econômicos ainda sensíveis à falta de investimentos encontram aqui um apoio essencial para aprimorar boas práticas ambientais e a busca por inovação e desenvolvimento tecnológico.   

Não é difícil ouvir dúvidas sobre a credibilidade, autenticidade, transparência e ética dos projetos que geram créditos de carbono. Essa situação não ocorre com créditos decorrentes do manejo de resíduos sólidos. Os resultados obtidos a partir da contenção de emissões de metano e outros gases são facilmente mensuráveis e auditáveis.

Por isso, é importante saudar quem lutou para mostrar que aterro sanitário não é lixão, e que o setor de manejo de resíduos sólidos é um aliado e não um oponente na batalha contra as mudanças climáticas. Transformar um passivo ambiental em um ativo ecológico e econômico deve ser estimulado e não intimidado. Ao fortalecer nossa atuação no mercado voluntário de créditos de carbono, aceleramos uma trajetória de inovação e geração de valores indispensáveis para a sustentabilidade do nosso futuro. 

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