CARLOS ROBERTO DE SOUZA — Delegado de Polícia inativo (RS), advogado, cientista jurídico, cientista social, teólogo, moçonólogo e bàbálorisá
Os registros de racismo aumentaram 127% no país em 2023, e o Rio Grande do Sul lidera o ranking, com São Paulo e Paraná vindo, na sequência, informações do jornal Folha de S. Paulo. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública conseguiu dados de todas as unidades da Federação e aponta que, dos 11,6 mil Boletins de Ocorrências de Racismo no Brasil, no ano passado, mais de 2,8 mil são do RS. No mesmo ano, foram feitos 11.610 Boletins de Ocorrências (BO), sendo que, em 2022, houve 5,1 mil documentos registrados.
Devemos diferenciar o crime de racismo, tendo como vítima uma comunidade definida, da injúria racial que diz respeito às pessoas. Em consonância com as estatísticas, que são científicas, poderíamos dizer que o Rio Grande do Sul é o estado mais racista deste Brasil "brasileiro"? Só a pessoa negra sente este preconceito, e cada uma de uma ótica, uma situação no tempo e no espaço, dependendo da classe social.
Como delegado de Polícia no Rio Grande do Sul, tive muitas situações de discriminação, mas sempre de uma forma encoberta, velada, furtivamente. Eu, um negro católico, por tradição, e africanista, por convicção, a ponto de saber de comentários em cidades do interior deste estado, de pessoas indagarem se existia delegado preto. Hoje, lá se vão 27 anos de aposentadoria.
Em uma cidade, por volta de 1985, aconteceu um atrito entre os indígenas de uma reserva e seus vizinhos brancos. Incontinente, comuniquei ao órgão policial federal, competente para solucionar a contenda, junto ao cacique e seus comandados. Deparei-me com a dificuldade de que eles, indígenas, não acreditavam que eu, negro, era autoridade policial do município. Foi mais difícil convencê-los do que apaziguar os ânimos. Consegui mostrar para eles, que, tanto eu quanto eles, estávamos no mesmo barco do racismo e sabíamos dessas coisas. E, dali em diante, passei a ser convidado para todas as festas da aldeia, situada na reserva de Inhacorá.
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Em 1989, desenvolvendo a atividade policial ainda no interior do RS, em uma cidade de grande apego à cultura gauchesca, sempre procurei estar integrado às suas comunidades. Mais ainda, pela cultura das coisas de nosso povo serem das mais acentuadas. É normal, na atividade policial, pessoas tentarem se aproximar de autoridades com o intuito de solicitarem determinadas benesses. E, assim, deve-se ter postura e saber rechaçar esses pleitos.
Em não sendo receptivo a determinados interesses, que não entravam na seara criminal, de alguns grupos tradicionais na região, fui surpreendido por um telefonema de "sua excelência", o doutor chefe de polícia, me relatando que um grupo de pessoas sedizentes representantes da sociedade, estavam se queixando de minha atuação intransigente com as infrações criminais, uma postura que não lhes interessava, e diziam que eu passeava na cidade com a família "à vontade, de bermudas". O chefe de polícia de pronto se apercebeu do embuste. E redarguiu dizendo que me designaria para a delegacia de polícia da cidade de Torres, pois lá eu poderia andar de bermuda, calção, de chinelos e sem camisa, que ninguém estranharia. Fui consultado se queria assumir aquela delegacia, e aí quem ficou surpreendido fui eu. De pronto, aceitei e comuniquei aos órgãos de imprensa de que era o novo titular da delegacia da mais bela praia do Estado, na divisa com Santa Catarina. E lá atuei por cerca de cinco anos.
Quando de minha assunção ao cargo de delegado de polícia regional na cidade de Pelotas, na solenidade de posse, fui indagado por repórter de rádio, ao vivo, se eu tinha conhecimento de ser o primeiro negro a assumir aquele posto, bem como por qual razão assumiram junto mais dois delegados negros? Respondi que eles "teriam simplesmente que se acostumarem com a ideia".
Recentemente sancionada, a Lei nº 14.759/2023 estabeleceu o 20 de novembro, de Zumbi dos Palmares, como feriado nacional, Dia da Consciência Negra, data que era comemorada em vários estados, menos no RS. Foi idealizada em oposição ao 13 de maio, data política não aceita pela negritude, por iniciativa de alguns jovens que se reuniam no centro de Porto Alegre, para discutirem as questões dos negros, entre eles o poeta Oliveira da Silveira, Antônio Carlos Côrtes, advogado, e outros da confraria. Muito tarde veio o feriado, não é?
Este relato pessoal traduz um pouco de como vejo e vivi o estado do Rio Grande do Sul, com suas colonizações multirraciais que aqui chegaram, mas saliente-se que só os negros foram trazidos em uma diáspora de flagelo, os outros vieram de livre vontade.