Artigo

Errar melhor

O Natal chega de maneira escandalosa nas propagandas de televisão ou nos alto-falantes dos supermercados

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF — Jornalista

 

O final de ano é absolutamente previsível. Todos se preparam para fazer alguma reflexão sobre o que passou ou o que está por vir. As reuniões de família costumam ser tranquilas, apesar de algumas exceções. As confraternizações de empresas às vezes desbordam para festas incríveis que revelam o verdadeiro caráter daquele chefe austero ou da colega discreta. Vez por outra, os casamentos acabam e outros acontecem. 

No jornalismo, o Natal é um momento especialmente difícil. Neste dia é feriado em todos os países cristãos do Ocidente. Ou seja, não há novidades. Não acontece nada. Na Primeira Guerra Mundial, naquele insano conflito de trincheiras, franceses e alemães suspenderam hostilidades no 25 de dezembro para festejar o nascimento do Cristo. Confraternizaram com cerveja, vinho e uísque. Ninguém deu tiro em ninguém. Não houve conquista de território. Momento de paz. Então, não há notícia. Além dos símbolos da festa, há pouco para comentar, destacar ou criticar.

O Natal chega de maneira escandalosa nas propagandas de televisão ou nos alto-falantes dos supermercados. Todos nós somos submetidos ao Jingle Bells ou Noite Feliz. São dois hinos oficiosos das festas de fim de ano trazidos pelos estrangeiros que também introduziram o sempre presente White Christmas. O Jingle Bells, que se presta a vários trocadilhos, foi lançado em 1857, pelo bostoniano J. Pierpont que esqueceu a estrela de Belém para realçar Papai Noel, trenós e carruagens. Não esquecer que o Natal vermelho, com o velhinho barba branca, é invenção de um refrigerante norte-americano, que possui a marca registrada do produto. 

O Natal, como festa religiosa, começou a ser comemorado em 25 de dezembro no século 4, pela Igreja ocidental e no século 5 pela Igreja oriental. Homenageia o nascimento de Jesus Cristo. É o seu significado nas línguas neolatinas. Os primeiros indícios da comemoração do nascimento de Jesus em 25 de dezembro são do ano 354. Essa celebração começou em Roma, enquanto no cristianismo oriental o nascimento de Jesus já era celebrado em conexão com a Epifania, em 6 de janeiro. 

A origem da data é antiga. Trata-se da comemoração do Natalis Solis Invicti, celebração do Sol, festa tradicional do solstício de inverno realizada pelas populações pagãs que foram, posteriormente, convertidas ao cristianismo. A festa foi incorporada ao calendário da Igreja Católica. Mas não há nenhuma evidência histórica de que o Cristo tenha nascido no em 25 de dezembro do ano zero, mesmo porque o calendário se modificou muito ao longo dos séculos.

A discussão é parte relevante da história da Igreja Católica. Mas, voltando ao ponto inicial, o dia de Natal é um desastre para o jornalismo porque não há notícias. Réveillon, também. E pior, para quem trabalha em jornal impresso, o pessoal da gráfica pressiona para sair mais cedo. A primeira página, que é a última a fechar, deve estar concluída por volta das três da tarde. Depois dessa hora, o pessoal costuma começar a confraternizar dentro da redação. Cerveja, champanhe e os salgadinhos providenciados pelas secretárias.

Tempos atrás, estava na posição de dirigir um jornal impresso no dia de Natal. Tinha por obrigação escrever o editorial. Mas não encontrava assunto. Recorri ao mesmo expediente de agora. Dissertei sobre o Natal, sua história, sua beleza, o lado comercial, mas ressaltei o momento de reflexão sobre a vida. Como se os olhos pudessem saltar das órbitas e o indivíduo enxergasse a si mesmo.

No dia seguinte, recebi o telefonema do dono do jornal. Ele me perguntou:

— Quem escreveu o editorial?

— Fui eu.

— Está muito bem escrito, parabéns, mas no meu jornal Cristo nasceu no dia 25 de dezembro. E a festa é católica. Aqui não se discute o assunto. Entendeu?

Levei a bronca calado e entendi que são muitos os perigos do Natal. O governo tornou pública mais uma norma sobre segurança pública. Será tema obrigatório de discussão nos próximos tempos, áridos, de recesso, até o final de janeiro. Haverá sempre uma tragédia para lamentar, mortos a prantear e histórias a inventar para ganhar tempo, ao longo das férias de verão. Boa parte do país vai para a praia.

Sugiro aproveitar o tempo com atividade mais tranquila e reflexiva. Ler o magnífico livro Sempre Paris, crônica de uma cidade e seus escritores, Rosa Freire D´Aguiar, Companhia das Letras. Delicioso passeio por Paris dos anos 1970 e 1980, da jornalista que trabalhou como correspondente na capital francesa. Fomos colegas na revista IstoÉ. Ela se casou com Celso Furtado, deixou o jornalismo e se dedicou às traduções. O livro contém interessantes entrevistas com personagens da cidade como George Simenon, Júlio Cortázar, Eugene Ionesco, entre outros personagens preciosos. Pelo menos é um meio de apreciar a paisagem e tentar errar melhor no futuro.

Feliz ano-novo!!

 


Mais Lidas