Rubens Barbosa*
Depois de nove anos, foi concluído o processo de indenização, no valor de R$ 170 milhões, a ser paga pelas empresas Samarco/BHP às famílias e aos municípios pelas consequências do desastre ecológico ocorrido com o rompimento da barragem do Fundão em Mariana. Esse fato não impediu a continuação do processo que corre na Corte de Londres, por iniciativa do escritório de advocacia Pogust Goodhead, pelo qual se busca uma indenização adicional das empresas que poderia chegar a R$ 260 bilhões.
Nos últimos meses, houve diversos desdobramentos dessa questão do ponto de vista jurídico. Em outubro passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que ações jurídicas no exterior contra o governo são ilegais. Contra a soberania brasileira, os contratos celebrados pelos municípios com os escritórios estrangeiros para o patrocínio das demandas no exterior foram considerados ilegais, em especial quanto à sua adequação ao regime jurídico administrativo e quanto à possibilidade da celebração de contratos de honorários com pagamento pelo sucesso da causa pela administração pública.
O STF confirmou o entendimento de que as contratações violaram o princípio da economicidade, porque se verificou que os municípios assumiram a obrigação de pagar, em termos globais, honorários que podem alcançar cifras na ordem de R$ 54 bilhões, equivalente a 20% do valor estimado das indenizações. Em vista da decisão do STF, quatro municípios que optaram por aderir ao acordo de indenização em novembro, e movem ações contra as mineradoras no exterior, solicitaram ao escritório britânico a exclusão de seus processos e alegam que encontram dificuldades e custos adicionais colocados pela Podgust.
Na semana passada, foram encerradas as atividades da Corte de Londres deste ano, e o julgamento vai ser retomado em janeiro. Nessa etapa do julgamento, a Corte está julgando a responsabilidade (liability) das empresas. Se as empresas forem consideradas responsáveis pelo desastre, haverá um segundo julgamento para definir o valor da causa. Por isso, é provável que o julgamento em Londres se estenda pelo menos até 2028 e, se houver recurso, pode chegar até 2030.
Do ponto de vista político-diplomático, esperava-se que houvesse um pronunciamento do governo brasileiro para mostrar a violação pelo julgamento em Londres de um princípio jurídico básico, segundo o qual não pode haver um julgamento duplo de um mesmo caso. Corrigindo essa omissão, no último dia 11, o Itamaraty, por meio da embaixada em Londres, se manifestou, ao encaminhar ao governo britânico a documentação completa do acordo para a total e definitiva reparação relacionada com o colapso da barragem do Fundão, ratificada pelo STF, em 6 de novembro passado. A pedido do STF, a embaixada solicitou ao Foreign Office que o acordo, "o maior e o mais abrangente já assinado sobre um desastre ecológico", seja encaminhado para conhecimento da Corte Britânica de Negócios e Propriedade e a Corte de Tecnologia e Construção, nas quais o processo está sendo examinado.
A ação na Corte de Londres ignora e desqualifica o sistema de justiça brasileiro, arranhando a soberania nacional. O assunto se constitui em um precedente jurídico que afeta os interesses brasileiros não só do ponto de vista jurídico e político-diplomático, mas também econômico, pelo impacto sobre as empresas e sobre os investimentos no Brasil em vista da insegurança jurídica que uma decisão contrária às mineradoras poderia representar.
A manifestação oficial do governo brasileiro é importante, mas poderá não ser suficiente para encerrar a tramitação do processo na Corte londrina, que se declarou competente para julgar essa demanda. Em complemento, o governo brasileiro deveria fazer gestões oficiais junto ao governo britânico para ressaltar o dano à soberania nacional em virtude da desconsideração pela Corte londrina da decisão do STF e pelo duplo julgamento da mesma questão. Em uma ação adicional, o governo brasileiro e o STF deveriam manter a firme defesa da soberania nacional a fim de assegurar que o Brasil continuará a atrair investimento externo para permitir o crescimento da economia.
Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior*