Opinião

Artigo: Celular na aula - a favor ou contra o processo de aprendizagem?

É preciso pensar que um dos aspectos centrais localizados nas características da juventude na contemporaneidade é o uso da tecnologia como parte essencial da vida

Erlando da Silva Rêses*

Recentemente, o Senado Federal aprovou a proibição do uso de celular em sala de aula por estudantes da educação básica de escolas públicas e particulares, inclusive no recreio e intervalos entre as aulas. Mais ainda, a proposta proíbe o porte de celular pelos estudantes da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. Contudo, o texto autoriza o uso do celular em sala de aula para fins estritamente pedagógicos para toda a educação básica. Assim foi a proposta do Ministério da Educação (MEC) enviada ao Congresso Nacional.

Ora, a polêmica sobre o uso do celular em sala de aula não é nova: restrições já existem na França, nos Estados Unidos, na Finlândia, na Itália, na Espanha, em Portugal, na Holanda, no Canadá, na Suíça e no México. No meio deste ano, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) fez recomendação para banir o uso de celulares nas escolas, sob o argumento de que gera prejuízo para a concentração de estudantes. No Brasil, a restrição tem se intensificado tanto por iniciativa das próprias escolas quanto por regulamentação municipal ou estadual. 

Segundo dados da TIC Educação 2023, a proibição ao uso do celular em escolas na educação infantil passou de 32% (2020) para 43% em 2023. Já para os anos finais do ensino fundamental, a cifra subiu de 10% para 21% no mesmo período. No ensino médio, a restrição foi menor, com apenas 8% do banimento para o uso do aparelho móvel.

Cabe destacar que o Poder Legislativo australiano aprovou uma lei, inédita no mundo, que proíbe crianças e adolescentes menores de 16 anos de acessarem redes sociais, como Tik Tok, Facebook e Instagram. As empresas terão um ano para implementar o bloqueio, e a plataforma que descumprir o impedimento de menores de idade ao acesso de contas arcará com multas de até US$ 50 milhões (por volta de R$ 305 milhões).

O pensador alemão Karl Marx já havia nos alertado sobre as consequências sociais do avanço tecnológico. Além da perda da importância do indivíduo que vende a sua força de trabalho e do desaparecimento da categoria sociológica do trabalhador assalariado, ele apontou o fato de a tecnologia determinar o desenvolvimento da sociedade, sem ser determinada por ela. A inteligência artificial avançou nas relações sociais e, sobretudo, nas dimensões do trabalho, ao ponto de vermos o crescimento vertiginoso de trabalhadores(as) por aplicativo com severas restrições nos direitos trabalhistas. Todavia, esse avanço não se sobrepõe à inteligência real, à criatividade, à afetividade nem às saudáveis relações humanas e sociais.

É preciso pensar que um dos aspectos centrais localizados nas características da juventude na contemporaneidade é o uso da tecnologia como parte essencial da vida. As novas gerações estão se desenvolvendo com acesso fácil a smartphones, redes sociais e internet, influenciando sua forma de se comunicar, consumir conteúdo e se relacionar. Ou seja, é fácil ver um(a) jovem usando fone de ouvido, comprando pela internet e usando aplicativos, de modo que há uma rápida aprendizagem ao uso das ferramentas e parafernálias tecnológicas. Como nós educadores(as) devemos lidar com esse fato? A tecnologia pode ser usada como recurso pedagógico? Ela mais atrapalha do que ajuda no processo de aprendizagem? 

Uma coisa é certa: se ignorarmos totalmente seu uso poderemos estar perdendo um grande instrumento de trabalho. Recentemente, estudantes, em uma apresentação oral para uma aula, me surpreenderam com o uso do TikTok, animações e posts interativos de forma consciente e crítica. Há um vínculo forte com esses mecanismos, o que me faz concordar com o uso do celular em sala de aula para fins pedagógicos nos anos finais dos ensinos fundamental e médio.

Cabe, portanto, uma breve reflexão sobre o trabalho docente e o uso de materiais didáticos e pedagógicos à disposição. Primeiro, deve haver maior valorização do profissional da educação para o efetivo desenvolvimento da atuação em sala de aula com situações tão adversas. Segundo, a escola deve prover as necessidades fundamentais para o uso de equipamentos e recursos didáticos das mais variadas formas, como acesso à internet (de preferência banda larga), sala de informática, aparelhos de projeção de audiovisuais em sala de aula e formação contínua de professores(as) para o uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC).

Sociólogo, mestre e doutor em sociologia pela UnB, com pós-doutorado em educação (Universidade de Londres), professor de graduação e pós-graduação na Faculdade de Educação da UnB*

 


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