Henrique Salmazo — Gerontólogo, doutor em neurociência e cognição, coordenador do Programa de Pós-graduação em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília (UCB)
Em dezembro de 2023, no VIII Congresso Internacional de Gerontologia da USP, apresentei a proposta do projeto de pesquisa intitulado Projeto Vivacidade e Envelhecer com Orgulho: oficinas sobre saúde, diversidade e intergeracionalidade a pessoas LGBTQIA . A ideia era estudar como vive a comunidade LGBT (gays, lésbicas, bissexuais e transsexuais) a partir dos 60 anos. Então, o palestrante e colega de mesa Luiz Barón, presidente da ONG Eternamente SOU, entidade que trabalha com a população LGBT idosa, me questionou: "Em que mundo você vive? A maioria das pessoas LGBT não alcançam essa idade".
Como estudioso e pesquisador no campo do envelhecimento, reconheço que, infelizmente, Barón estava certo. Envelhece quem tem oportunidade de acesso a serviços, saúde, cultura e educação. Infelizmente, o envelhecimento, por várias razões, ainda é negado à população LGBT. A expectativa de vida de transsexuais no Brasil é de 35 anos. Nosso país ainda é o que mais mata pessoas trans no mundo, uma a cada 28 horas.
Temos poucas estatísticas sobre a população de lésbicas, gays e bissexuais (LGB). Os censos populacionais, até o ano passado, não dispunham de questões sobre orientação sexual e identidade de gênero, o que aumenta a invisibilidade e limita o acesso a políticas públicas. O Distrito Federal é uma das poucas unidades federativas com dados sociodemográficos disponíveis sobre esse grupo.
Em levantamento conduzido pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF) em 2022, baseado na Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios de 2021, observou-se que 3,8% da população brasiliense (87.920 moradores com 18 anos ou mais) se identificou como LGBTQIA . O estudo mostra que essa população é mais jovem do que a não LGBTQIA . Os jovens entre 18 e 29 anos são 40,8%, frente a 25% na população geral. A média etária das pessoas LGBTQIA foi de 36 anos, a mesma das lésbicas.
Com relação às condições de saúde, não há no Brasil estudos epidemiológicos e de saúde suficientemente abrangentes sobre as pessoas maduras e idosas LGBT. Creio que isso seja um retrato de uma tripla invisibilidade: a invisibilidade da academia, que não olha para esse grupo; a da sociedade, que não considera a realidade das pessoas LGBT maduras e idosas; e a própria comunidade LGBT, para a qual a ideia de envelhecer parece ser, em muitos casos, evitada.
Apesar da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais ter sido criada em 2011 pelo Ministério da Saúde, os avanços foram modestos com relação à garantia de acesso à saúde integral e igualitária. A pergunta que fica é: "Como garantir um envelhecimento saudável das populações LGBT sem dados, sem planejamento e sem a sensibilização social sobre o tema?".
Infelizmente sem dados, não há como fazer políticas. Talvez, o primeiro passo seja evidenciar essa realidade, mapeando as necessidades das pessoas maduras e idosas LGBT. Com base nos dados, será possível a proposição de serviços compatíveis com as necessidades da população. Iniciativas como a Eternamente SOU, em São Paulo/SP, poderiam ser fomentadas em Brasília, unindo-se ao trabalho já desenvolvido pelos coletivos LGBT do DF, como o Centro LGBT, a Casa Rosa e outros.
Com base na provocação de Luiz Barón, mencionada no início do texto, reduzimos as faixas etárias analisadas no Projeto Vivacidade e Envelhecer com Orgulho. Agora, olhamos para pessoas LGB 50 e pessoas T 40 , porque essa faixa etária já pode ser considerada idosa no contexto social desses grupos. Buscamos investigar o bem-estar, a saúde e a qualidade de vida de pessoas idosas LGBTQIA residentes em Brasília, São Paulo e João Pessoa, bem como criar espaços de acolhimento, encontro, educação não formal e apoio intergeracional por meio de oficinas para pessoas idosas LGBTQIA e de encontros intergeracionais, envolvendo a interação entre pessoas idosas e adultos jovens LGBTQIA .
A primeira etapa do estudo consiste em responder a dois formulários eletrônicos, cuja duração é de 10 minutos cada. Quem participar terá identidade anonimizada e os dados serão mantidos em sigilo, em linha com o Comitê de Ética em Pesquisa. Os dados serão utilizados única e exclusivamente para pesquisa e fomento às políticas públicas. Dessa forma, fica o convite para a população LGBT participar do estudo.