Quem paga essa conta?

O orçamento recorde da CDE é um alerta. Ele nos obriga a refletir sobre o modelo de financiamento do setor elétrico e a quem ele realmente serve

Clarice Ferraz Diretora do Instituto Ilumina (Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético

O recente aumento no orçamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que prevê R$ 40,6 bilhões em subsídios ao setor elétrico para 2025, é sintoma de uma crise mais profunda. O crescimento de 9,2% em relação ao valor de 2024 reflete um sistema que precisa ser urgentemente repensado. Não se trata apenas de um debate sobre custos; trata-se de compreender quem, de fato, está arcando com essa conta e quais são as implicações dessa dinâmica para o setor elétrico e para os consumidores.

Os subsídios custeados pela CDE têm funções importantes. Políticas como o Programa Luz para Todos e os descontos tarifários para consumidores de baixa renda, rurais e irrigantes são essenciais para combater a pobreza energética e promover a integração nacional. Esses mecanismos contribuem para garantir dignidade humana e equidade em um país com enormes desigualdades. No entanto, o problema é que, no mesmo "balaio", encontramos incentivos ao uso de fontes energéticas como o carvão mineral e estímulos a fazendas eólicas e solares que certamente não precisam dos mesmos incentivos que lhes foram concedidos quando ainda não eram competitivas. Um contrassenso ambiental e econômico que pesa de forma significativa sobre os consumidores regulados.

Há ainda um desequilíbrio estrutural perverso na forma como esses custos são repartidos. O aumento da inadimplência e os custos crescentes do sistema são indicadores claros de que o modelo atual é insustentável. O peso recai, de maneira desproporcional, sobre os consumidores regulados, um grupo que vem diminuindo diante da aceleração da migração para o mercado livre. Os consumidores do mercado livre negociam diretamente com geradoras e comercializadoras e, além de não pagar bandeira tarifária, são isentos do pagamento de diversos serviços ancilares e ainda recebem descontos custeados pela CDE. Ou seja, os custos do sistema e os encargos são divididos de forma desigual, sobrecarregando aqueles que permanecem no mercado regulado e os estimulando a migrar para o mercado livre e abandonar suas distribuidoras.

Enquanto isso, o Ministério de Minas e Energia não demonstra qualquer reação para equacionar essa situação. Em vez de corrigir a repartição dos custos, o governo tem promovido a migração para o mercado livre, ampliando ainda mais o descompasso. Com isso, a conta recorde de R$ 40,6 bilhões será paga por um grupo cada vez menor de consumidores, acelerando um ciclo de insustentabilidade.

Outro ponto crucial é o crescimento do sistema nacional interligado. A expansão acelerada e sem planejamento de fontes variáveis que não fornecem inércia ou reativos e não são despacháveis não está relacionada às necessidades de descarbonização e de modicidade tarifária. São os pequenos consumidores regulados que são quem, de fato, subsidiam esse crescimento em um cenário de excesso de capacidade instalada. Essa distorção reforça a necessidade de se discutir a responsabilidade coletiva em relação ao financiamento do setor elétrico.

Esse debate não pode mais se restringir a um diagnóstico dos problemas. É preciso agir para dirimir os custos relacionados à expansão ineficiente do sistema e redistribuir de forma justa os encargos do sistema elétrico, promovendo equidade entre os mercados livre e regulado. Também é necessário reavaliar os incentivos oferecidos, priorizando investimentos que estejam alinhados com os compromissos ambientais e com a sustentabilidade de longo prazo do setor.

O orçamento recorde da CDE é um alerta. Ele nos obriga a refletir sobre o modelo de financiamento do setor elétrico e a quem ele realmente serve. Não podemos ignorar o risco de perpetuar um sistema que onera de forma desproporcional os consumidores regulados enquanto financia iniciativas que não atendem às necessidades reais da população. A transição energética e a integração nacional exigem um sistema mais justo, transparente e eficiente. Sem isso, continuaremos a alimentar um ciclo de desigualdade e insustentabilidade que compromete não apenas o setor elétrico, mas também o futuro energético do país.

 

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